COMPORTAMENTO SEGURO – CIÊNCIA E SENSO COMUM NA GESTÃO DOS ASPECTOS HUMANOS EM SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO

Autor(a):
Juliana Zilli Bley, Julio Cézar Ferri Turbay e Odilon Cunha Junior

Publicação:

Artigo publicado na Revista CIPA de outubro de 2005.

 

 

“Ato inseguro, o grande vilão da segurança”. “O problema é trabalhar no piloto-automático”. “É o excesso de confiança”. Frases como esta vêm sendo ouvidas pelos trabalhadores em treinamentos de segurança, em palestras de SIPAT, em reconstituições de acidentes e outros momentos nos quais a grande interrogação é: como fazer com que as pessoas se cuidem no trabalho? Geralmente a resposta para esta pergunta remete à noção de Comportamento Seguro.

 

Em segurança, grandes avanços foram realizados no que diz respeito aos aspectos ambientais, tecnológicos, legais e organizacionais e isso fez com que os índices de acidentes fossem reduzidos de forma significativa no Brasil e no mundo. No entanto, os acidentes ainda acontecem e isso fez com que os prevencionistas olhassem com mais atenção, nos últimos anos, para fatores que, até então, tinham sido pouco tratados nas práticas e programas: os fatores humanos. Devido ao fato do Ser Humano caracterizar-se como um fenômeno altamente complexo e de grande variância, o chamado “fator humano” tem sido visto como uma “grande caixa preta” nas discussões a respeito de Sistemas de Gestão de SST. Como educar as pessoas? Como comprometê-las com o processo? Como melhorar o controle dos riscos? Como motivar para a prevenção?

 

O curioso desta questão é que grande parte destas respostas já é conhecida das ciências humanas e sociais há muitas décadas. É necessário promover a aproximação do conhecimento técnico-operacional e do humano, aplicando-os no cotidiano das organizações de trabalho. Para a Psicologia, o estudo da influência humana na ocorrência de acidentes de trabalho necessita levar em conta a forma como o Ser Humano se relaciona com seu meio de trabalho. Coleta (1991, p. 77), importante psicólogo e pesquisador brasileiro no campo da segurança do trabalho, afirma que

 

“os comportamentos, as atitudes e as reações dos indivíduos em ambiente de trabalho não podem ser interpretados de maneira válida e completa sem se considerar a situação total a que eles estão expostos, todas as inter-relações entre as diferentes variáveis, incluindo o meio, o grupo de trabalho e a própria organização como um todo (…) Acidente de trabalho, neste sentido, pode ser visto como expressão da qualidade da relação do indivíduo com o meio social que o cerca, com os companheiros de trabalho e com a organização”.

 

Tal posição aponta para a necessidade de compreender que o comportamento humano no trabalho recebe inúmeras e simultâneas influências, portanto não pode ser observado de maneira linear e simplista, sob pena de sermos reducionistas.

 

A Psicologia da Segurança no Trabalho

 

A “Psicologia da Segurança no Trabalho”, definida por Meliá (1999) como sendo “a parte da psicologia que se ocupa do componente de segurança da conduta humana”, é uma ciência que vem sendo desenvolvida desde a década de 70 e é também um conjunto de técnicas (metodologia de intervenção) que permitem compreender e agir sobre os elementos humanos da prevenção de acidentes de trabalho com profundidade e precisão. No Brasil seu desenvolvimento ainda é bastante discreto, sendo encontrada com maior incidência nos EUA e na Europa.

 

A Psicologia da Segurança pode proporcionar conhecimentos que complementem as práticas dos demais profissionais que atuam em segurança no trabalho como médicos, engenheiros e técnicos, o que não significa que interferir sobre os fenômenos psicológicos em segurança seja algo que possa ser feito de forma efetiva por profissionais sem a devida capacitação. Referindo-se à utilização de conceitos e técnicas da Psicologia por profissionais de outros campos de atuação, Geller (2001) comenta que muitas das estratégias para promover crescimento e desenvolvimento, incluindo mudanças de atitudes e comportamentos, são acatadas com crença e otimismo por empresários e trabalhadores porque “soam bem” e não porque são estratégias embasadas em conhecimentos produzidos cientificamente. Propostas sem critérios podem gerar frustrações, resistências e descrenças, pois muitas vezes, os resultados obtidos são parciais ou então são conquistados às custas de desgastes emocionais, relacionais e de saúde geral dos trabalhadores (principalmente aqueles colocados nos mais baixos níveis hierárquicos, o famoso “chão de fábrica”). Nestes casos, o que foi criado e implementado para promover a saúde utilizando como meio a “mudança de comportamento” passa a ser causa de sofrimento para os envolvidos. Sofrimento suportado em silêncio, muitas vezes, pela necessidade de preservação do emprego.

 

Dejours (1999) e Geller (2001) consideram que expressões como fator humano, comportamento, e atitudes, além de serem utilizadas muitas vezes como sinônimo de Psicologia (o que não é verdade), funcionam como um verdadeiro “condensado de psicologia do senso comum”. Exemplos destas distorções são alguns tipos de programas de incentivos (com brindes e sorteios), as “sessões de tragédias” (apresentações de vídeos e fotos de acidentes de forma sistemática como forma de conscientizar), treinamentos e cursos com alta carga horária e didática inadequada. Estratégias como estas acabam por promover aprendizagens inadequadas, fazendo com que o trabalhador fique mais interessado em ganhar um boné ou um sorteio de DVD do que se comprometer para garantir sua integridade na saída da fábrica. A saúde e a qualidade de vida é que são os verdadeiros ganhos no processo de prevenção.

 

Considerando que a noção de comportamento tem sido amplamente utilizada em programas e ações de segurança em empresas brasileiras e estrangeiras, recebendo até o nome de “Segurança Comportamental”, é importante refletir sobre o que de fato tem sido tratado por essas estratégias.

 

O conceito de Comportamento Seguro

 

O que separa os equipamentos modernos, as orientações dadas nos treinamentos, as normas e procedimentos de trabalho, os sistemas de gestão, do comportamento cotidiano dos trabalhadores?

 

Meliá (1999), ao examinar a contribuição da Análise do Comportamento para a prevenção de acidentes, afirma que sua aplicação à segurança já é conhecida (McAfee & Winn, 1989; Peters, 1991; Johnston, Hendricks & Fike, 1994, citados por Meliá, 1999). Ele relata que os modelos de análise funcional da conduta permitem identificar os elementos que sustentam as condutas inseguras e os que sustentam ou poderiam sustentar as condutas seguras. A análise do comportamento permite descobrir que, em muitas ocasiões, existe um desequilíbrio de contingências contrário à conduta segura e favorável às condutas inseguras. Com relação à prevenção de acidentes, os tipos de comportamentos destacados por profissionais da segurança são aqueles que podem ser divididos (ainda que didaticamente) em seguros e inseguros. O adjetivo “seguro” é utilizado para se referir àquilo que o trabalhador faz e que contribui para a não ocorrência de acidentes. São exemplos de comportamentos seguros comumente utilizados o uso de EPI’s, o cumprimento de normas de segurança e o uso adequado de ferramentas e equipamentos. Da mesma forma, os comportamentos considerados como sendo “de risco” são aqueles que contribuem para que os acidentes aconteçam e são também chamados de “atos inseguros”. Alguns exemplos são não usar EPI’s, não seguir padrões de segurança, utilizar ferramentas de maneira inadequada. Assim como o acidente de trabalho é um fenômeno multideterminado, os comportamentos relacionados com a segurança também são considerados como determinados por múltiplas causas, internas e externas ao indivíduo.

 

Um breve exame dos comportamentos comumente associados à segurança revela a criação de um tipo de dicotomia (seguro-inseguro) na qual as propriedades que o definem caracterizam-se pela oposição entre si (uso ou não-uso, seguir ou não seguir, adequado ou inadequado) absolutizando suas concepções. E é curioso observar o quanto as ações educativas em segurança falam no comportamento de risco, no ato inseguro. A maior parte do tempo (para não dizer todo o tempo) dos treinamentos e campanhas de segurança é utilizado para apontar aquilo que NÃO deve ser feito. Não entre! Não deixe de ler a norma! Não suba sem cinto! Não use o celular na direção! Será que não estamos fazendo o processo inverso? Passamos mais tempo ensinando o trabalhador aquilo que ele não deve do que aquilo que ele DEVE fazer, como se o Comportamento Seguro pudesse ser reduzido simplesmente a um código de regras que dizem o que é permitido e o que é proibido. Ele é muito mais do que isso.

 

O Comportamento Seguro de um trabalhador, de um grupo ou de uma organização é definido por Bley (2004) como sendo a capacidade de identificar e controlar os riscos presentes numa atividade no presente, de forma a reduzir a probabilidade de ocorrências indesejadas no futuro, para si e para os outros. É esta competência que deve ser desenvolvida e estimulada nos processos educativos para que os comportamentos seguros sejam mais freqüentes nas frentes de trabalho. Ao trabalhador devem ser dadas condições (capacitação e abertura) para PENSAR, SENTIR e AGIR considerando os riscos aos quais está exposto e as melhores formas de controlá-los. Coerência entre pensamento, sentimento, ação e objetivo final é o que se chama popularmente de consciência.

 

 

Comportamento Seguro e Educação para a Segurança

 

Um estudo realizado por Bley (2004) para explorar o que caracteriza a aprendizagem de comportamentos seguros nas atividades de risco aponta necessidades e lacunas no processo de educação para a segurança (no aspecto comportamental). Foram pesquisados treinamentos e palestras de segurança que tinham como objetivo (principal ou como um deles) promover comportamentos seguros no trabalho, realizados em duas indústrias metalúrgicas situadas no Paraná. Dentre os procedimentos adotados para a coleta dos dados, foram entrevistados instrutores de treinamentos de segurança (a maioria técnicos de segurança) e os funcionários participantes dos treinamentos ministrados pelos referidos instrutores. Abaixo podem ser observados os resultados da análise de conteúdo das respostas à seguinte pergunta: “O que é, para você, comportamento seguro?”. O objetivo do questionamento foi realizar dois tipos de comparação: a primeira entre as concepções de “educadores” e “aprendizes” para identificar em que medida houve aprendizagem, e a segunda entre todas as concepções e um conceito científico de Comportamento Seguro.

 

Comparação das respostas de instrutores de treinamento de segurança de duas indústrias metalúrgicas e funcionários participantes dos mesmos treinamentos quando perguntados sobre o que entendem por “Comportamento Seguro”.

 

Tipos de concepções sobre comportamento seguro no trabalho Funcionários (n=20)  Instrutores (n=5)   Percentual sobre o total Funcionários  Percentual sobre o total Instrutores
Trabalhar com cuidado e atenção 10 0 18%  –
Obedecer às normas de segurança  8 4 15% 40%
Ter atitude consciente e agir com bom senso  7 2 14% 20%
Trabalhar com foco na segurança  6 2 12% 20%
Usar EPI e EPC  4 1 7% 10%
Não cometer “atos inseguros” 4 0 7%
Saber trabalhar sob pressão e receber críticas 3 0 5%
Cuidar dos colegas  3 0 5%
Conhecimento técnico do trabalho a ser realizado 3 0 5%  –
Analisar os riscos das tarefas  2 0 4%
Participar de reuniões e treinamentos de segurança  2 0 4%  –
Preocupar-se com a própria segurança e aprender com exemplos  1 1 2% 10%
Nunca a que sabe tudo  1 0 2%
Total de Ocorrências  54 10 100% 100%

 

Os dados da tabela apontam divergências entre o que os funcionários e os instrutores entendem por comportamento seguro. Uma das evidências disto é que o tipo de definição do que se entende por comportamento seguro que mais ocorreu entre os funcionários (“trabalhar com cuidado e atenção”) não foi sequer indicado pelos instrutores em nenhuma proporção. O que os instrutores e funcionários consideram como significado de “comportamentos seguros” é divergente entre si e também está distante do conceito. Além disso, os dados confirmam o alto grau de generalidade dos termos utilizados tanto por instrutores quanto por funcionários para definir o conceito, o que permite afirmar que há pouca clareza sobre as propriedades que caracterizam o comportamento seguro, e isso pode causar prejuízo ao processo de capacitação das pessoas para prevenir acidentes de trabalho. Se os instrutores não são capazes de definir com precisão as propriedades essenciais do tipo de comportamento que devem ensinar, há grande chance de não se obter o resultado esperado do treinamento. Nos casos estudados, considerando a análise do comportamento e os princípios do processo ensino-aprendizagem, é improvável que os funcionários que participaram dos treinamentos passem a se comportar de forma segura.

 

Ao comparar as categorias apresentadas e os pressupostos do conceito de Comportamento Seguro é possível perceber que boa parte delas não tem correspondência direta com uma conduta preventiva na realização de atividades. Nenhuma das categorias acima, ao ser comparada com “identificar e controlar riscos da atividade…” apresenta sozinha todas as características necessárias para compor a competência “comportar-se de forma segura”. Um trabalhador pode “usar EPI” porque alguém mandou e não porque ele é capaz de identificar e controlar os riscos de sua atividade. O fatores consciência, capacidade de análise e de escolha ficam de lado nesta situação. No caso do uso por obediência, é possível que na hora que aquele que mandou sair de cena, o sujeito retire o EPI pois não faz sentido para ele utilizar o equipamento.

 

Treinamentos, cursos, palestras, procedimentos e políticas são importantes estratégias para a promoção da mudança de “comportamentos de risco” para “comportamentos seguros”. Para isso é preciso que se tenha clareza de quais são os comportamentos de risco existentes, quais os comportamentos seguros que se deseja estimular, o que faz com que as pessoas ajam desta forma, e o que é preciso fazer para tornar a mudança desejável pelas pessoas. Sem considerar isso, as ações pouco podem fazer frente à força que as “coisas como sempre estiveram” impõe no sentido contrário da mudança. Essa trama complexa de relações (que é invisível aos olhos à primeira vista) pode ser a responsável pelo insucesso de ferramentas de conscientização em segurança, que atingem seus objetivos num primeiro momento, mas após um período de tempo, permitem que os problemas considerados ultrapassados voltem a ocorrer.

 

Diálogos de segurança, abordagens de conscientização, palestras, treinamentos, cartazes e campanhas são amplamente apresentados como “ações educativas” aos trabalhadores, mas nem sempre surtem o efeito desejado. Em muitos casos, parecem ter sido concebidos para “dar ordens” ou “alertar”, no lugar de “educar” o seu público de interesse. São coisas diferentes: “dar ordens” e “educar”. Mensagens como “use o cinto”, “previna-se”, “cumpra os procedimentos”, assim como imagens de olhos perfurados por pregos, pessoas queimadas, carros destruídos acompanhados por sangue no asfalto, são algumas das estratégias utilizadas na tentativa de modificar a postura do trabalhador no que diz respeito à própria segurança. A continuidade das ocorrências indica o inexpressivo resultado desse tipo de atuação. Não há dúvida de que consciência, informação, conhecimento e trocas de experiências são meios que podem favorecer a aprendizagem para a prevenção, não só no contexto da segurança do trabalho, mas também no trânsito, nas propagandas contra o abuso de drogas ou contra a transmissão do vírus da AIDS.

 

Percepção de Risco

 

Partindo do entendimento de que o Comportamento Seguro é definido por “identificar e controlar riscos…”, a Percepção de Risco tem um importante “status” nas recentes pesquisas em Psicologia da Segurança no Trabalho. Este conceito é tido como mais um elemento importante para a compreensão dos aspectos psicossociais relacionados à prevenção dos acidentes de trabalho. Na prática há uma evidente lacuna por parte das organizações por não buscarem conhecer o nível em que se encontra a percepção de risco dos trabalhadores de seus quadros.

 

Para explorar o conceito de percepção de risco é preciso lembrar que o contato que o ser humano estabelece com o mundo externo é mediado pelos seus sentidos (tato, olfato, audição, gustação, visão), por meio dos quais os dados da realidade são recebidos e ganham significados. O processo de receber e converter o estímulo externo é chamado de sensação. Já o processo de atribuição de sentido à informação recebida é chamado de percepção.

 

Em prevenção o processo perceptivo é fundamental uma vez que, quando lidamos com preservação da saúde, estamos vinculados à capacidade das pessoas de se relacionar com os perigos de forma cuidadosa, evitando danos à integridade física e psíquica dos indivíduos, isto é, prevenir acidentes e doenças.

 

A percepção de risco diz respeito à capacidade da pessoa em identificar a freqüência na qual está exposta a situações ou condições de trabalho que possam causar dano (perigos) e reconhecer os riscos que este oferece, não só na sua atividade imediata, mas também em todo o contexto de trabalho. Olhar sempre para a freqüência e deixar a probabilidade de lado neste momento, possui uma justificativa importante, como é possível perceber no exemplo que segue:

 

Exemplo prático: um profissional que trabalha numa fábrica de explosivos e que, durante sua rotina, vai poucas vezes a área industrial, mantendo-se 95% do tempo no escritório. É de praxe ele não acreditar que possa ocorrer algo negativo, visto o pouco tempo que ele fica exposto ao risco – isso é probabilidade. Entretanto, ele trabalha do lado de dentro dos portões de uma indústria diariamente. Pode-se afirmar que este trabalhador tem menor chance de sofrer um acidente do que outros que rotineiramente trabalham na área industrial?

 

Logicamente, responder esta questão não é tão simples como parece. Afinal existem outras variáveis importantes que não estão sendo levadas em conta nesta análise, por exemplo: nível de saúde, estado emocional, conhecimento técnico e operacional de ambos, capacidade de reconhecer os riscos existentes, bem como a própria atitude deles neste ambiente. Assim, olhar apenas a probabilidade decorrente do tempo de exposição distorce, muitas vezes, a nossa percepção.

 

Desta forma, o processo de percepção do risco pelo homem nem sempre é objetivo, ou quem sabe racional, mas fortemente influenciado por fatores diversos que variam de indivíduo para indivíduo, em função de sua estrutura mental e do seu repertório adquirido.

 

Por meio do mapeamento da Percepção de Risco dos trabalhadores é possível mensurar a capacidade deles em identificar os perigos e riscos. Na prática, é a atividade do caldeireiro na metalurgia, do engenheiro que atua na petroquímica, do médico do trabalho que atua na indústria. Ou seja, neste mapeamento é considerado não apenas a atividade-fim do profissional, mas todo o entorno que compõe o cenário no qual o trabalho ocorre.

 

Uma das ferramentas utilizadas pela Psicologia da Segurança no Trabalho para este mapeamento é um questionário com diversos tipos de perigos e riscos de acidentes. Seu formato permite avaliar a percepção e a noção de risco dos trabalhadores. Inicialmente o trabalhador constrói o seu cenário de trabalho e, em seguida, ele identifica as situações a que está exposto no seu dia-a-dia.

 

Mas afinal, para que se preocupar com a Percepção de Risco dos trabalhadores? Muitas vezes, o trabalhador comete comportamentos de risco por não conhecer de fato quais os perigos aos quais está exposto. Sem esta informação (que em Análise do Comportamento recebe o nome de “estímulo discriminativo”) dificilmente ele consegue reconhecer os riscos da tarefa, assim a probabilidade de se expor ao perigo fica aumentada e por conseqüência seus comportamentos tendem a ser inseguros. Onde o trabalhador não percebe o risco é justamente onde ele mais se expõe aos perigos (desvios/incidentes), aumentando o risco de suas atividades e, como conseqüência, têm-se as ocorrências de acidentes.

 

Em última análise, quem não percebe os riscos dificilmente tem condições de escolher o meio mais seguro de agir, pois ela é pré-requisito para um comportamento seguro consciente (escolhido e não “por acaso”). Alguém que não identifica os riscos da sua tarefa tem alta probabilidade de agir de forma arriscada. Mas vale deixar claro: percepção de riscos e comportamento seguro não são sinônimos! É possível que a pessoa perceba que pode se machucar e escolha fazer o serviço assim mesmo. Se existir pressão desmedida por produção, heroísmo, condições de trabalho precárias, despreparo, o fato de perceber os riscos não levará, isoladamente, a uma mudança de atitudes. O comportamento seguro é um resultado de fatores (internos ao indivíduo e do ambiente de trabalho) que permitem às pessoas agir de maneira preventiva no trabalho.

 

Comportamento Seguro e sua aplicação nos Sistemas de Gestão de SST

 

Atualmente existem casos de práticas bem sucedidas acontecendo em empresas (em diversas regiões do Brasil e em outros países) que podem demonstrar a efetividade desta modalidade técnica e científica de compreender e atuar sobre o comportamento humano e suas interfaces sobre os aspectos de segurança no trabalho.

 

Numa perspectiva de Sistemas de Gestão, os conceitos relacionados com o chamado “Comportamento Seguro” podem ser aplicados no sentido de potencializar (e até viabilizar) um programa amplo de Gestão de Segurança e Saúde. Sabe-se que um dos principais desafios na implantação de um Sistema de Gestão é o processo de comprometimento das pessoas envolvidas. Soma-se a isto a questão do monitoramento de resultados que aparece sob a forma de metas e indicadores para a medição do desenvolvimento do sistema como um todo e, em especial neste caso, do aspecto humano do processo. Algumas perspectivas de análise e aplicação permitem realizar o monitoramento do processo no que se refere ao comportamento seguro.

 

Os Indicadores Humanos em segurança podem ser classificados em duas categorias básicas: os “Proativos” e os “Reativos”, sendo que os primeiros referem-se aqueles que buscam identificar os aspectos humanos antes do acontecimento de uma perda ou acidente de trabalho. Os reativos integram-se aos indicadores organizacionais que medem situações que já ocorreram como, por exemplo, o TFSA (Taxa de Freqüência de acidentes sem afastamento) ou o TFCA (Taxa de freqüência de acidentes com afastamento).

 

Como referência para a análise de indicadores considerados mais “Proativos” será utilizado como base o conceito de “Atitude Preventiva”, que pressupõe que o comportamento seguro ganha status de hábito por meio da articulação entre três dimensões do funcionamento psicológico: a dimensão cognitiva (nível de conhecimento e informações que o trabalhador tem a respeito das suas atividades e todas as suas interfaces numa frente de trabalho, por exemplo), a dimensão afetiva (que é composta pelos aspectos interiores do ser humano como suas razões pessoais para se prevenir, seu nível de motivação, seus comportamentos encobertos como pensamentos e sentimentos, e outros aspectos que referem-se ao elemento emocional dos trabalhadores) e por fim, a dimensão da ação (que nada mais é do que a forma como o indivíduo realiza o seu trabalho, é composta por aquilo que pode ser observado pelas outras pessoas, é a prática). Retomamos, portanto a idéia de pensar, sentir e agir.

 

A identificação destes fenômenos psicossociais depende, em grande parte, da capacidade das pessoas da empresa em observar, entender e interpretar estas informações. Entretanto, por se tratar de aspectos de difícil observação (principalmente os cognitivos e afetivos) é essencial levar em conta que os profissionais da organização estejam capacitados efetivamente para a identificação de tais fatores.

 

Na prática, estes fenômenos podem servir de subsídios para o desenvolvimento de práticas (e seus respectivos indicadores) quando observados de forma sistemática. Considerando a divisão abaixo, somente didática, algumas maneiras de viabilizar este trabalho podem ser:

 

Sobre os aspectos Cognitivos:

 

  1. Nível de aprendizagem: melhoria do nível de conhecimento obtida após as atividades educativas. Um destaque possível para este indicador é o resultado obtido ao final de um programa de integração ou treinamento. A empresa que realiza esta atividade tem como prática avaliar o grau de eficácia e de aprendizagem dos participantes do processo?

 

Uma alternativa viável é a aplicação de mecanismos de verificação de aprendizagem, não só após o treinamento, mas também com alguns meses de intervalo. Conhecimento e prevenção são aspectos que devem caminhar em conjunto. Vale ressaltar que as empresas que possuem força de trabalho com alto nível de analfabetismo, por exemplo, necessitarão adaptar seus programas de informação e o instrumento de avaliação às necessidades especiais desta população. As matrizes de treinamento devem estar alinhadas com as necessidades das pessoas para que possam ter validade como instrumentos de desenvolvimento e avaliação de comportamentos em segurança.

 

Para empresas com alto nível de complexidade em seus processos e que tenham produtos e atividades que necessitem um alto nível de conhecimento, recomenda-se não abrir mão deste tipo de estratégia. Ao indentificar dificuldades neste aspecto, a empresa poderá atuar de forma preventiva na melhoria do nível de informação de suas frentes de trabalho.

 

  1. Acompanhamento da aplicação de procedimentos: além dos procedimentos de segurança e operacionais, algumas empresas utilizam sistemáticas de Permissão de Trabalho e/ou Análise Preliminar de Risco. Um indicador essencial de aspecto humano é o nível de compreensão que se tem destes procedimentos. Para que de fato tenha efetividade é importante que pessoas treinadas para avaliar este processo estejam constantemente nas áreas de trabalho acompanhando as frentes e avaliando o entendimento acerca dos procedimentos. Procedimento lido não é sinônimo de procedimento entendido, e nem cumprido. É necessário que as ferramentas de análise estejam alinhadas com as propostas preventivas da empresa.

 

  1. Quantidade de horas de treinamento em segurança: não existe um nível ideal de horas de treinamento em segurança. O ideal varia em função do nível de risco da empresa, da cultura de segurança que ela já possui, dos objetivos que ela almeja em prevenção. Porém este é um indicador necessário para averiguar o nível de investimento do sistema de gestão no desenvolvimento das pessoas em segurança no trabalho. Algumas empresas têm substituído ou acrescido em suas placas: “Estamos há XX dias sem acidentes e com XX horas de treinamento em prevenção”. Isso permite visualizar que estar sem acidentes não é uma obra do acaso, mas de atuação coerente e alinhada de todos os componentes da organização.

 

  1. Quantidade e Nível de Compreensão das Sinalizações de Advertência: uma boa prática é averiguar constantemente se as pessoas têm informações “demais” ou “de menos” sobre segurança. O excesso e a falta de informação sobre os riscos presentes no ambiente de trabalho podem prejudicar sua efetividade. Símbolos desconhecidos, pouco trabalhados ou já “desgastados” com a força de trabalho podem prejudicar seu objetivo. Checar a freqüência de consultas aos mapas de riscos é uma forma de atuar nesta direção, lembrando que, em algumas empresas ele é “um quadro a mais” pendurado na parede, em cumprimento à legislação.

 

Sobre os aspectos Afetivos:

 

  1. Participação em Diálogos Diários de Segurança (DDS): o olhar para este indicador não deve ser somente o quantitativo, mas principalmente para o qualitativo. Como é a freqüência e a qualidade da participação das pessoas (assiduidade, tipos de perguntas, identificação de oportunidades de melhoria, espaço para apresentação de críticas, exploração dos assuntos e não só apresentação, aplicação prática dos conhecimentos, entre outros). Monólogos de segurança tendem a servir somente ao preenchimento da folha de presenças.

 

  1. Pesquisas de Clima e Cultura de Segurança: são as formas pelas quais os hábitos, as atitudes e os valores em segurança aparecem no cotidiano da empresa. São indicadores de acompanhamento contínuo e que permitem à empresa conhecer a prática e a percepção dos trabalhadores em quatro importantes aspectos do processo de prevenção:

 

  1. a) Forma como os líderes atuam em relação à segurança.

 

  1. b) Forma como os companheiros de trabalho lidam com a segurança.

 

  1. c) Como a pessoa reconhece seus cuidados com a segurança (grau de consciência).

 

  1. d) Como a pessoa percebe as ações de prevenção realizadas pela empresa.

 

Este conjunto de variáveis deve ser avaliado com uma periodicidade constante e considerada no planejamento anual da área de segurança. Ele pode ser mensurado por meio de procedimentos e instrumentos de medida já desenvolvidos pela Psicologia da Segurança no Trabalho. Outra fonte de dados para esta investigação é a própria pesquisa de clima organizacional (ou ambiência) realizada pela maior parte das empresas no Brasil.

 

Num país no qual seus cidadãos têm seu primeiro contato com noções básicas de segurança ao entrar em uma indústria, construir uma “cultura de segurança” é uma tarefa que vai além dos muros da fábrica. Trata-se de um desafio não só para os profissionais prevencionistas, mas também para áreas como a educação, a saúde pública, os sindicatos, enfim, para toda a sociedade.

 

Sobre os aspectos da Ação:

 

  1. Observação e registro de Comportamentos Seguros: este processo permite à empresa identificar o nível de impacto dos programas de prevenção na efetiva mudança de comportamento dos trabalhadores. Por meio de inspeções sistemáticas, profissionais de diferentes setores da empresa (desde que adequadamente preparados) observam e registram comportamentos seguros e comportamentos de risco dos trabalhadores realizando orientações educativas que esclareçam o trabalhador sobre a maneira mais segura de realizar o serviço. Os indicadores são obtidos por meio da compilação e do tratamento das informações geradas pelos observadores. Vale destacar que esta é uma metodologia que depende diretamente da cultura da empresa, o que significa que sua eficácia depende de avaliar se ela é a melhor estratégia para aquele tipo de cultura (não é recomendável para algumas empresas) e também de um processo de treinamento cuidadoso e preciso dos observadores.

 

  1. Estudos do curso de ação ou análise do trabalho: este processo pode ser indicador da forma como o indivíduo realiza seu trabalho integrando os conhecimentos, orientações recebidas, habilidades, limites e potencialidades pessoais e, principalmente, se a organização das tarefas e atividades é compatível com os cuidados de segurança necessários (tempo, recursos, competência, carga física e mental, entre outros).

 

A correta aplicação destes métodos e indicadores humanos em segurança, quando aliados a todos os demais elementos existentes no Sistema de Gestão de Segurança, permite uma compreensão aprimorada e consistente do componente humano no processo de prevenção dos acidentes de trabalho.

 

Vale destacar que a simples existência destes elementos e ações não garante resultados positivos em prevenção de acidentes. Quando falamos de “gente” precisamos levar em conta realmente que “cada caso é um caso”. O que dá certo numa empresa provavelmente não gerará o mesmo resultado em outra, porque as pessoas são diferentes, a cultura de segurança é outra, o nível de desenvolvimento do Sistema de Gestão em SST é outro. Ações de Segurança Comportamental têm como fator de sucesso a competência avançada em identificar e analisar os fatores psicossociais de maneira adequada e tecnicamente embasada. Profissionais que se propõem a atuar sobre o comportamento humano devem ser devidamente capacitados para este fim, sob pena de incorrer em graves equívocos conceituais e até problemas éticos. Hoje vemos práticas ocorrendo em algumas empresas que contrariam os conhecimentos mais básicos da Psicologia do Trabalho. Bom senso e ciência não correspondem ao mesmo nível de conhecimento.

 

Outra consideração fundamental diz respeito a alguns tipos de críticas produzidas sobre os processos de gestão de pessoas com foco no comportamento. Elas normalmente acusam um caráter de manipulação de comportamentos, de opressão dos trabalhadores sob a justificativa de “modificar aquilo que são”. Grande parte destas críticas toma uma proposta de pesquisa e intervenção em Psicologia (comportamental), avançadíssimo cientificamente e de origem datada do início do século XX (quase centenário), como sendo um “meio de adestrar e dominar pessoas”. É preciso reconhecer que os efeitos de aplicações inadequadas deste conhecimento, tão exploradas neste artigo, realmente podem remeter a este entendimento. Um conhecimento mais aprofundado e consistente sobre os conceitos que compõem esta forma de pensar o comportamento humano no trabalho certamente poderá esclarecer muitos destes “mitos”. Parece óbvio que, se “manipular” de forma indiscriminada e decisiva o comportamento de alguém fosse realmente possível, não precisaríamos mais de cadeias, radares nas estradas, multas de trânsito, e educar filhos seria algo fácil e trivial. Bastaria aplicar tudo isso numa fábrica e nunca mais teríamos um só trabalhador acidentado em decorrência do trabalho.

 

E por fim, a tradicional ênfase ao “tecnicismo” que sempre foi dada na formação dos profissionais que atuam nos ambientes produtivos é um fator que certamente influencia na dificuldade de gerenciar as pessoas com foco em SST. Isto porque, quando falamos de comportamentos, atitudes, cognição, cultura, estamos falando de “gente” e não de máquinas e equipamentos. Para que seja possível gerenciar a segurança e a saúde das pessoas com consistência e ética é necessário desenvolver diferentes componentes deste universo como uma formação mais “humanista” dos profissionais (do presidente da empresa ao auxiliar de produção), normas e políticas públicas que considerem os aspectos mais subjetivos deste processo, relações de trabalho mais saudáveis para ambos os lados, e tantos outros. Enfim, para gerenciar comportamento humano é preciso verdadeiramente humanizar o contexto produtivo.

 

 

Autores:

 

Juliana Zilli Bley (Psicóloga CRP/08 08725) Mestre em Psicologia pela UFSC e Professora do Curso de Psicologia da PUCPR.

 

Julio Cezar Ferri Turbay (Psicólogo CRP/08 0669-3) Doutorando em Psicologia Social pela Universidad Complutense de Madrid – Espanha.

 

Odilon Cunha Jr. (Psicólogo CRP/08 08863) Pós-graduando em Psicologia do Trabalho pela UFPR.

 

 

Equipe de Consultores da COMPORTAMENTO – Psicologia do Trabalho, especializados em Psicologia da Segurança no Trabalho. falecom@comportamento.com.br

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