MOTIVAÇÃO PARA SEGURANÇA

Autor(a):
Lucille Fanini

Publicação:

Motivar as pessoas para adquirir hábitos saudáveis não é uma tarefa fácil para nenhuma área de atuação. Por exemplo, trabalhando com dependência química uma das aprendizagens que certamente você terá é que, nem sempre, as pessoas estão dispostas a mudar hábitos, por mais destrutivos que eles possam ser. Muitas pessoas vão para tratamento porque seus familiares os obrigam e não porque eles percebem que têm um problema e é preciso fazer algo.

 

Situações como estas também podem ser encontradas nas organizações na área de Segurança. Existem pessoas que possuem hábitos de trabalho arriscados, que sempre realizaram suas atividades de determinada maneira (fora dos padrões e procedimentos), e nada de ruim aconteceu. Para estes trabalhadores não existe problema nenhum em trabalhar desta maneira. Existem ainda aqueles trabalhadores que acham que sua maneira de trabalhar é arriscada, acreditam que podem se machucar se continuarem trabalhando desta maneira, mas isto ainda não é suficiente para que ele efetivamente mudem seu comportamento. Já outros trabalhadores consideram seriamente a possibilidade de mudar sua forma de trabalhar e até planejam estratégias para isso, mas não as colocam em prática, ou se colocam, é por um curto período de tempo.

 

O que explicaria esses diferentes comportamentos? Existem diferentes motivações para adquirir hábitos mais saudáveis? Será que todos os trabalhadores têm o mesmo nível de motivação para mudar seus hábitos arriscados de trabalho? A motivação para Segurança é constante? Com o objetivo de compreender como as pessoas mudam e porque mudam, os psicólogos Prochaska e DiClemente (1982) descreveram um modelo Transteórico de Motivação para Mudança que é baseado na premissa de que a mudança comportamental é um processo e que as pessoas têm diferentes níveis de motivação e prontidão para mudar. Esta disposição e prontidão para mudança não é constante, ela oscila de tempos em tempos, de uma situação para outra e pode ser influenciado pelo contexto, aumentando ou diminuindo. Segundo esses autores, as pessoas podem estar em diferentes estágios de motivação para mudança e a abordagem para cada estágio de mudança deve ser diferente. Isso garantiria o sucesso da intervenção.

 

A representação gráfica inicial deste modelo foi feita utilizando-se a figura de um círculo. As fases de motivação para mudança são divididas em: Pré-ponderação, Ponderação, Preparação para Ação, Ação, Manutenção e Recaída. A figura do círculo foi escolhida porque os autores entendem que em qualquer processo de mudança é possível que as pessoas circulem diversas vezes antes de alcançar uma mudança estável. Isso significa que, antes que a pessoa se comporte de maneira segura de forma estável, é possível que ela ainda tenha comportamentos de risco. Esse processo é definido como uma “recaída”, mas ele não deve ser entendido como uma falha no processo de mudança e sim como uma etapa que também faz parte desse processo. Uma nova representação foi feita através da figura da espiral para dar a idéia de que o indivíduo não caminha nos estágios de forma linear-causal, as pessoas podem progredir ou regredir sem ordenação lógica, contrariando a forma como anteriormente se pensava (Prochaska, DiClemente e Norcross, 1999).

 

Segundo o modelo, o estágio inicial de mudança é definido como Pré-ponderação. Neste ponto não há intenção de mudança e nem mesmo uma crítica a respeito do conflito envolvendo o comportamento e o problema. No caso da segurança, o trabalhador que uta suas atividades de forma arriscada ainda não percebe isso como um problema. Para ele, trabalhar de maneira arriscada faz parte do seu repertório e é considerado como normal, pois afinal de contas ele sempre fez dessa maneira. Se um trabalhador que está nesta fase for abordado sobre questões de segurança ficará mais surpreso do que na defensiva. O trabalhador que está neste estágio raramente procura ajuda ou orientação sobre segurança, pois acredita que a forma com que uta a atividade é a maneira correta.

Uma vez que o trabalhador percebe que sua maneira de trabalhar pode ter conseqüências negativas para si e para os outros ele entra no estágio de Ponderação, que é caracterizado pela ambivalência. O trabalhador que está neste estágio tem percepção de que se continuar a trabalhar dessa maneira pode se acidentar, e tanto considera importante a mudança como também a rejeita. Ele está dividido entre os motivos para se preocupar e as justificativas para não se preocupar e fica no vaivém entre as razões para mudar e as razões para permanecer trabalhando da mesma maneira.

 

Quando a balança se inclina a favor da mudança, passa-se para o estágio de Preparação para Ação. Este estágio pode ser considerado como uma oportunidade para a mudança, pois o trabalhador pretende seriamente mudar e já começa a emitir alguns novos comportamentos. Se durante este tempo o trabalhador passa para a Ação, o processo de mudança continua; do contrário, ele volta para a Ponderação. No estágio de Preparação para Ação o trabalhador afirma que precisa mudar, e que seus comportamentos podem ter sérias conseqüências para si e para os outros.

 

O próximo estágio é a Ação. Neste momento o trabalhador busca realizar suas atividades de forma segura, usa seus EPI’s porque entende a importância deles, segue normas e procedimentos para garantir sua segurança e ainda contribui para a melhoria da segurança, dando sugestões e opiniões. Ele está treinando as novas maneiras de se comportar de forma segura no seu trabalho. Fazer uma mudança, porém, não garante que ela será mantida. Segundo Prochaska e DiClemente (2001) as experiências humanas são cheias de boas intenções e mudanças iniciais, mas podem ser seguidas de pequenos deslizes ou até mesmo grandes “passos para trás”.

 

O estágio de Manutenção é o que garantiria a mudança duradoura de comportamento, pois o trabalhador continua sustentando seu compromisso em trabalhar de forma segura. Este estágio pode dar a impressão de ser estático, porém, trata-se de uma fase dinâmica, pois significa a continuidade de um novo comportamento e que isto pode demorar algum tempo para se estabelecer (Jungerman & Laranjeira, 1999). Não é tão difícil interromper um comportamento inseguro quanto manter as pessoas trabalhando de forma segura. É nesta fase que nós poderíamos falar que as questões de segurança estão sendo internalizadas, pois o trabalhador começa a entender quais são suas responsabilidades nesse processo e pratica segurança porque isso é importante para a sua vida e não porque a empresa, o líder ou a área de segurança está exigindo.

Existe ainda a possibilidade de “recaída”. A “recaída” pode ser entendida por alguma situação que ocorre com o trabalhador que faz com que ele questione as questões de segurança e se valem a pena realmente continuar seguindo. Um exemplo é quando o trabalhador está buscando trabalhar de forma segura e algum líder solicita que ele realize uma manobra fora das normas ou procedimentos.

A importância de se entender a mudança do comportamento a partir do modelo Transteórico é que ele nos dá a possibilidade de pensar a aquisição de melhores modelos de trabalho a partir de uma perceptiva interativa e com possibilidades reais de mudança. Desta maneira o sucesso das intervenções em Segurança dependeria da abordagem adequada para cada estágio em que se encontra o trabalhador ou os trabalhadores.

No estágio de Pré-ponderação, é preciso fazer questionamentos sobre a percepção que o trabalhador tem da sua atividade, dos perigos e riscos envolvidos, numa tentativa de desenvolver maior consciência sobre a forma de trabalho e as conseqüências possíveis do seu comportamento. Incentive-o a avaliar o seu comportamento atual e ajude-o a personalizar o risco perguntando de exemplos de situações que podem acontecer com ele caso ele mantenha este comportamento.

Passando para a fase de Ponderação sua tarefa é, junto com o trabalhador, inclinar a balança em favor da mudança, discutindo com ele os prós e contras da mudança de comportamento. Discuta quais os resultados positivos que ele poderia conseguir com a mudança de comportamento.

Já no estágio de Preparação para Ação, a conversa deve ser direcionada para discutir quais os possíveis obstáculos que ele teria caso optasse por trabalhar de forma mais segura e o que ele poderia fazer caso estes obstáculos aparecessem. Ajude a mapear pessoas chaves que possam o ajudar caso ele tenha dúvidas.

 

No estágio de Ação, a abordagem deve ser direcionada para reforçar as mudanças de comportamento assim como sua capacidade para lidar com os obstáculos que surgem. É importante discutir com o trabalhador possíveis perdas que podem ocorrer caso mude seu comportamento, mas também reforçar os benefícios a longo prazo que ele terá caso continue a trabalhar de forma segura.

No estágio de Manutenção o foco deve ser dado aos ganhos que o trabalhador tem com a mudança de comportamento. Não é uma tarefa fácil, segundo Geller (1942), pois trabalhar de forma arriscada também traz ganhos como o conforto, a conveniência e o reconhecimento.

Esses estágios mostram que nem todos os trabalhadores possuem a mesma motivação para segurança, o que ajuda a compreender por que existem comportamentos diferentes nesta área.

 

Desta maneira, nossa tarefa deve ser identificar em que estágio de motivação encontra-se o trabalhador e utilizar a abordagem mais adequada para cada fase. Uma abordagem com foco diferente de acordo com o estágio em que o trabalhador se encontra possivelmente provocará mais resistência do que motivação. Também é preciso lembrar que a motivação não é constante, ela pode oscilar de tempos em tempos ou de situações para situações.

Edwards, G. & Dare, C. Psicoterapia e tratamento de adições. São Paulo, SP: Artes Médicas. (1997)

 

Geller, S. GELLER, E. Scott. The Psychology of Safety Handbook. Editora Lewis, 1942.

 

Jungerman, F. S. & Laranjeira, R. Entrevista motivacional: Bases teóricas e práticas. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. (1999)

 

Miller, W.R., Rollnick, S. – Entrevista Motivacional: Preparando as pessoas para a mudança de comportamentos adictivos. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.

 

Prochaska, J. O. & DiClemente, C. (1982). Transtheorical therapy: Toward a more integrative model of change. Psycotherapy: Theory, Research and Practice. (1982)

 

Prochaska, J. O. & DiClemente, C. Stages of change in the modi cafication of problem behaviors. Em M. Hersen, M. Eiser & W. Miller (Orgs.), Progress in behavior modification (pp.184-214). Sycamore: Sycamore Press. (1992)

 

Prochaska, J. O., DiClemente, C. C. & Norcross, J. C. Search of how people change: Applications to addictive behaviors. American Psychologist. (1992)

 

Prochaska , J. O., Velicer, W. Y., Rossi, J. S., Goldstein, B. M., Rakowski, W., Fiore, C., Harlow, L., Redding, C. A ., Resembloom, D. & Rossi, S. R. Stages of change and decisional balance for 12 problem behaviors. Health Psychology. 1994

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