ORGANIZAÇÕES QUE “DÃO TRABALHO”: TRATANDO O ASSÉDIO MORAL

Autor(a):
Joana Bandeira de Mello Lefévre

Publicação:

RESUMO – Este trabalho vem tratar o assédio moral visto como uma perseguição moral que se estabelece numa dinâmica entre um chefe e seu funcionário, através de vários atos como: humilhar repetidamente, inferiorizar, ou desprezar, ironizar, dentre outros. Para se analisar este processo é preciso caracterizar estas dinâmicas pessoais das chefias, agressor, e sua relação com o poder, como também suas características psicológicas. No caso da vítima, o funcionário, deve-se avaliar sua relação com autoridades, e sua propensão à perseguição. Portanto a organização e seus procedimentos podem conter fatores facilitadores de sua ocorrência como, má comunicação na empresa, forte hierarquia, intenso nível de estresse dentre outros. Este último degrada o ambiente de trabalho e afeta a saúde mental dos funcionários desorganizando a organização.

 

Palavras-chave: assédio moral, agressor, vítima, trabalho, organização e saúde mental.

 

ABSTRACT – This paper is about the bullying that comes as a moral persecution which is established in a relationship between a boss and one employee, by conducts like: to humiliate, to inferior, to intimidate, to despise, to ridicule and others. To analyze this process is necessary to describe the boss, the aggressor, and his relation with power, likewise his psychological acteristics, and in the case of the victim, the employee, should be analyzed his relation with authority and his inclination to the persecution. The company also may have some factors that can provide the bullying as: the lack of communication, the hierarchy, the intensity of stress and others. This can debase the company by affecting the mental health of the employees, resulting in a disorder in the company.

 

Key-words: bullying, aggressor, victim, labour, company and mental health.

 

 

A saúde mental no trabalho, considerando a importância do papel profissional na vida do indivíduo na sociedade moderna, trazendo a possibilidade da felicidade e liberdade, determinando suas expectativas, seus projetos para o futuro, sua linguagem, seu afeto, se revelando fator essencial para a auto-estima e autoconceito. E frente à variedade de doenças a ele associadas, está cada vez mais colocando em foco as organizações, e conseqüentemente, as relações estabelecidas nelas.

 

Algumas organizações têm dado “muito trabalho” a seus funcionários, este de ocupação passou a “preocupação”. O produto do trabalho não se transformou com o decorrer dos anos, porém, as relações de produção, as relações sociais decorrentes do trabalho, e conseqüentemente a relação entre os homens, estas sim, sofreram as maiores transformações.

 

O papel ocupado na sociedade é cheio de impregnações, expectativas e preconceitos a respeito de nós mesmos. Pela ocupação que determinada pessoa desempenha perante a sociedade já se pode definir algumas características do seu perfil, é muito comum saber-se quem é pelo papel social ocupado, ou seja, de médico, psicóloga, dentista, advogado.

 

Este poder do papel social influencia diretamente nossas relações com todos os outros papéis que exercemos, e este papel social é influenciado diretamente pelo posto que ocupamos, ou pelas organizações das quais fazemos parte.

 

Ao entrarmos em uma organização temos que lidar com um universo de adaptações, a sua filosofia, sua cultura e clima, assim como aos nossos superiores. A forma com que lidamos com este chefe está, sem dúvida, ligada a forma com que lidamos com limites e autoridade. E conseqüentemente a forma com que este exerce o papel de líder está relacionada com sua percepção do poder.

 

Atualmente os conflitos nestas relações estão em várias manchetes de revistas, estão nos consultórios, estão nos tribunais, estão nos bastidores do mágico mundo da televisão e até em propagandas de medicamentos. Cada vez aumenta o número de pessoas afetadas por distúrbios ligados ao ambiente das ocupações. “No início da Revolução Industrial, [por exemplo], o problema que se via era o da mortalidade nas fábricas, foi preciso então dar atenção aos limites físicos dos empregados. Agora, o mesmo tem de ocorrer com os limites psíquicos”. (SOARES, 2001, p.109)

 

O assédio moral é mais uma dessas perversidades do cotidiano. Tem afastado muitas pessoas dos seus postos de trabalho e tem causado problemas como estresse e ansiedade, depressão, dentre outros, em muitos trabalhadores.

 

Este é um tipo de abordagem para impor domínio a alguém, através da desqualificação de sua capacidade. O empregador constrange, humilha, isola inferioriza, despreza, responsabiliza, difama o trabalhador de maneira repetitiva e prolongada. Geralmente ocorre em relações hierárquicas, que se tornam desumanas, aéticas e humilhantes.

 

O termo assédio moral já é bem difundido por todo o mundo. Os países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Finlândia) utilizam o termo mobbing, na Inglaterra é conhecido como bulllying, nos Estados Unidos é visto como harassment, e no Japão recebe a denominação de ijime. No Brasil considera-se que quem contribuiu para a definição deste conceito tenha sido uma médica do trabalho, Margarida Barreto, com sua dissertação de mestrado publicada no ano 2000.

 

“O assédio moral inicia-se com a recusa de uma diferença. Pode ser por motivos raciais ou religiosos, em função de uma deficiência física ou doença, em função de orientações sexuais, ou discriminatório de representantes de funcionários e representantes sindicais, entre outros…” (HIRIGOYEN, 2002, p. 104-105). Segundo HIRIGOYEN (2002, p. 66) “O assédio nasce como algo inofensivo e propaga-se insidiosamente. Em um primeiro momento, as pessoas envolvidas não querem mostrar-se ofendidas e levam na brincadeira desavenças e maus-tratos. Em seguida esses ataques vão se multiplicando e a vítima é freqüentemente acuada, posta em situação de inferioridade, submetida a manobras hostis e degradantes durante um período maior”.

 

“O assédio se dá por uma degradação deliberada das condições de trabalho onde prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação aos seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos emocionais para o trabalhador e a organização”. (CATALDI, 2002, p. 85) Esta perseguição pessoal se reflete na organização através de: gestos, condutas abusivas e constrangedoras, humilhar repetidamente, inferiorizar, amedrontar, menosprezar ou desprezar, ironizar, difamar, ridicularizar, risinhos, suspiros, piadas jocosas relacionadas ao sexo, ser indiferente à presença do/a outro/a, estigmatizar os/as adoecidos/as pelo e para o trabalho, colocá-los/as em situações vexatórias, falar baixinho acerca da pessoa, olhar e não ver ou ignorar sua presença, rir daquele/a que apresenta dificuldades, não cumprimentar, sugerir que peçam demissão, dar tarefas sem sentido ou que jamais serão utilizadas ou mesmo irão para o lixo, dar tarefas através de terceiros ou colocar em sua mesa sem avisar, controlar o tempo de idas ao banheiro, tornar público algo íntimo do/a subordinado/a, não explicar a causa da perseguição.

 

Ocorre com o objetivo de dominar a vítima, atacando seus pontos fracos, fazendo-a perder sua autoconfiança e auto-estima. Individualiza o problema em uma pessoa que passa a ser tratada como incapaz. Traz dano a sua personalidade, dignidade ou integridade física e psíquica, colocando em risco seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho.

 

O assédio moral vai então se caracterizar por um comportamento inconsistente, infundado ou incoerente, de maneira persistente e repetitiva. Difere-se do assédio profissional, que ocorre em um curto espaço de tempo e as atitudes não são direcionadas a uma única pessoa. O assédio moral, portanto causa sempre um dano maior, uma destruição, inutilização ou deteriorização, da moral do empregado. Difere-se também do dano moral, que ocorre de forma eventual, enquanto o assédio caracteriza-se como uma perseguição. Sendo assim, o assédio moral é uma modalidade de dano moral mais insidiosa, uma vez que sua prática constante sobre a pessoa atinge seus bens de foro íntimo como honra, liberdade, intimidade e imagem.

 

Os ganhos através dessa conduta podem ser pessoais, no caso de uma chefia que quer eliminar o outro para garantir seu poder, podem ser estratégicos da organização, para forçar um empregado a pedir sua demissão, podem ser uma prática institucional utilizada como instrumento de gestão, ou até uma patologia de personalidade de algum chefe. Por isso, há de se analisar os diferentes fatores envolvidos neste processo.

 

Alguns estudiosos do assunto assédio moral entendem que os agressores podem possuir alguma patologia psicológica que defina seu comportamento nestas relações, uma perversidade narcísica. E como: “Qualquer que seja a tarefa a utar existe sempre uma transferência de subjetividade ao produto: trabalhar é impor à natureza a nossa face, o mundo fica mais parecido conosco, e, portanto, nossa subjetividade depositada ali, fora de nós, nos representando”. (CODO; SAMPAIO; HITOMI, 1994, p.189-190)

 

Indivíduos com este tipo de dinâmica psicológica precisam dos outros apenas como objetos a serem usados, se úteis e destruídos, se entendidos pelo perverso como prejudiciais aos seus objetivos. Manipulam para obter vantagens, e atacam a integridade narcísica (autoconfiança, auto-estima, auto-imagem) destes. Pois só conseguem existir desta forma, se sentindo melhor se o outro está pior, acertando somente se o outro está errando, sendo confiantes quando os outros são um fracasso, engrandecendo-se através do rebaixamento dos outros.

 

São pessoas geralmente com um alto valor de si, com necessidade de serem admirados, que exploram os outros nas suas relações, possuem muita inveja e pensam que tudo lhe é devido, sentem um enorme prazer com o sofrimento do outro e não se sentem culpados, pois como tentam se reconhecer pelo reflexo do outro, conseqüentemente agem somente pelo reflexo do outro, o outro é que os fazem agir desta maneira.

 

Entretanto, não são todos os casos de assédio moral que se pode explicar através de uma perversidade narcísica, muitas vezes o agressor pode possuir uma distorção em relação ao poder, e como todas as relações de trabalho são relações de poder, há de se colocar este também em evidência.

 

Alguns psicanalistas procuram nos pais física ou psicologicamente ausentes na infância explicações para pessoas com alta dose de auto-confiança e uma descrença total no mundo que as cerca. Para estas a chefia é absolutamente dispensável e quando estão no comando não se comprometem com seus subordinados e não lhes dão apoio nenhum. (FONTANA; ROCHA, 2001, p.34)

 

Outra hipótese para o perfil do agressor é que este, ao longo de sua experiência no mercado de trabalho nunca tenha experimentado o poder e seu uso pode inebriá-lo. Existe a possibilidade que tenha se deparado com exemplos de chefia que torturavam seus subordinados e por isto passaram a acreditar que esta é a única maneira de exercê-la.

 

Sem querer excluir outras causas possíveis para este comportamento, uma derradeira hipótese seria poderem se sentir cobrados demais por resultados e frente à insegurança, verem a manutenção de seu emprego com verdadeira obsessão.

 

Há de se analisar também, segundo MENEZES (2002, p. 493) “… motivos e objetivos específicos como a competitividade desenfreada; o individualismo exacerbado; medo de perder o emprego ou o posto de trabalho para colegas mais capazes ou experientes; receio em ver falhas descobertas, ilegalidades; resistência ao novo, ao diferente, ou mesmo ao tradicional…”

 

A visão de chefia está impregnada de representações, de que estas sejam iniciadoras, modelos a serem seguidos e até copiados, disto pode resultar a distorção de que estas estão além dos deveres e obrigações, e principalmente dos limites. Esta dinâmica se vê completa, então, quando os subordinados em contrapartida lhe tratam com reverência e submissão, lhe dando a total liberdade para agirem como quiserem.

 

“Por isso o poder constitui uma arma terrível quando em mãos de um indivíduo – ou de um sistema perverso”. (HIRIGOYEN, 2002, p. 99). “Na dinâmica do assédio moral há uma ação de apropriação, em que o outro se despossui; uma ação de dominação, em que o outro é mantido em um estado de submissão e dependência; uma dimensão de impressão, pois se quer imprimir no outro uma marca”. (HIRIGOYEN, 2002, p.109)

 

O assédio moral então vai se caracterizando inicialmente por uma sedução (não necessariamente sexual). O agressor seduz a vítima e a faz agir de forma que este se vê manipulado e indefeso. A vítima passa a segui-lo por dependência, há um controle desenvolvido e a vítima se bloqueia pela recusa em ser preterida. Os agressores neste início podem ser vistos como fascinadores, e as vítimas não possuem consciência de sua condição.

 

O conflito no assédio é muito sutil, a comunicação vai ficando cada vez mais distante, começam a aparecer deformações na linguagem, mal entendidos, desqualificações e a vítima tende a se questionar qual é sua parcela de culpa para isso.

 

Quando a vítima não consegue mais encontrar em seus comportamentos motivos para a situação, passa a procurar explicações com o agressor, e este quando sente que sua vítima está tentando reagir passa a acuar a vítima, aparecendo então claramente o assédio moral, através da agressão propriamente dita, ameaças, golpes sujos, injúrias, indução ao erro, cortando suas alianças, instaurando dúvida na cabeça dos colegas, e podendo até chegar a agressões físicas.

 

Em “Mal-estar no trabalho”, M. HIRIGOYEN (2002), coloca que as vítimas que favorecem o assédio são pessoas atípicas (sexo, cor da pele, e outras); pessoas excessivamente competentes ou que ocupam espaço demais (independentes ou com personalidade marcantes); os que resistem à padronização (extremamente honestos, éticos ou dinâmicos); os que fizeram alianças erradas ou não têm rede de comunicação adequada; os assalariados protegidos (grávidas, pessoas com mais de 50 anos); pessoas menos produtivas; pessoas temporariamente fragilizadas (problemas pessoais).

 

Estas pessoas no início da perseguição começam a se questionar e por falta de autoconfiança e se sentem obrigadas a fazer sempre mais, a esforçar-se mais, para dar uma melhor imagem de si. Buscam se adaptar, compreender o que o agressor quer e para fugir da violência adotam tendências a se mostrarem cada vez mais gentis, conciliadoras, tendo a ilusão que desta forma irão acabar com o assédio. Porém cada vez mais estas deixam sua marca de submissão. “Segundo a psicanálise, pais que alternam o período de carinho com outros de indiferença criam insegurança nos filhos, que ficam sem saber quando podem ou não contar com eles. Ao se tornarem subordinados sua marca registrada será a de submissão”. (FONTANA; ROCHA, 2001, p.33)

 

Ao se defender do assédio, portanto vê-se que pessoas com baixa auto-estima, necessidade exacerbada de reconhecimento, pessoas que se dedicam muito ao trabalho e as pessoas mais sensíveis são os mais vulneráveis. Estas sofrem com sua condição, porém ter vergonha de não conseguirem se defender.

 

Ao se analisar esta dinâmica, a relação com autoridade e limites também deve ser enfocada. “A autoridade é cercada de valores e de emoções que a tornam inquestionável e absoluta”. (LANE; CODO, 1994, p. 35)

 

Conforme ainda LANE e CODO (1994, p.37)

 

Ao se analisar as representações sociais, deve se analisar as falas que caracterizam as posições ocupadas pelos interlocutores de forma explícita ou implícita. No primeiro caso, teríamos as ordens, os pedidos, os insultos que explicitamente definem a relação existente entre os interlocutores: um manda, outro obedece, um pede, o outro concede. (…) Os implícitos, por sua vez, só são compreendidos em relação às posições que os interlocutores ocupam e ao mesmo tempo definem as respectivas posições, “… toda palavra, por mais importante que seja seu valor referencial e informativo, é formulada também a partir de um: “o que eu sou para você, o que você é para mim” e é operante neste campo …”

 

A vítima, no entanto, está marcada duplamente pelo sentimento de inferioridade, pois além de obedecer a seu chefe, se vê inferior a ele através do efeito implícito de sua posição. E é neste campo que a vítima tenta mudar a representação que seu chefe possui dela. Por isso em caso de dificuldades, redobra seus esforços, assume uma postura perfeccionista, não hesita em trabalhar nos fins de semana, vai trabalhar mesmo quando doente, assume quantidades de trabalho superior à média, sobrecarrega-se, sente-se ultrapassada pelos acontecimentos, trabalha cada vez mais, e frente a isso conseqüentemente cansa-se, se mostrando esgotada, adoece, torna-se menos eficiente e ao entrar neste círculo vicioso, reforça em seu agressor a idéia que precisa ser eliminada.

 

E assim parece que escutam este pedido do agressor, pois seus sintomas denunciam estas condições. Geralmente os efeitos na vítima começam com o estresse e as conseqüências o atingem com: baixa auto-estima, perda da vontade de trabalhar, nervosismo e ansiedade, palpitações, pressão alta, tremores, hipertensão, dores de cabeça, irritabilidade, crises de choro, depressão, insônia ou excesso de sono, dores generalizadas, alteração da libido, disfunções gastro-intestinais, dores abdominais, perda ou aumento do apetite, abuso de álcool ou drogas, e até tentativas de suicídio, pois estas não conseguem mais se concentrar em atividades rotineiras e vêem-se inúteis e impotentes.

 

“O dano psíquico pode ir até a destruição da própria identidade. Como uma fragmentação da personalidade, atingindo funções normalmente integradas como a consciência, a memória ou a percepção do ambiente”. (HIRIGOYEN, 2002, p. 180)

 

“A gravidade das conseqüências sobre a saúde depende da: duração do assédio; intensidade da agressão, e vulnerabilidade da vítima, fragilização da pessoa devido a ataques anteriores ou falta de apoio familiar e/ou de amigos, ou uma baixa auto-estima anterior à agressão”. (HIRIGOYEN, 2002, p.119)

 

Algumas vítimas, porém, ainda vão levar em toda sua vida marcas desta relação, podem apresentar o estresse pós-traumático, onde não conseguem esquecer da época de perseguição e revivem estes momentos em sonhos ou imagens que a fazem ter todos os sentimentos e emoções negativas associadas aquela situação. Muitas vezes isto aparece após uma licença de trabalho que recebem para tratamento, onde voltam para seu trabalho, e isso desencadeia novamente os sintomas, exigindo então que esta utilize outra licença e assim conseqüentemente até chegar a demissão.

 

A situação de assédio, portanto pode ocorrer frente a uma falta de atenção dos dirigentes, ou frente à maneira pela qual as metas organizacionais estão sendo definidas e cobradas.

 

Na nova organização do trabalho tem se encontrado uma distribuição do poder, as metas organizacionais tem sito definidas em uma estrutura hierárquica cada vez mais subdividida, encontrando-se então mais posições de chefia, com menos poder, porém com enorme pressão, tornando esta posição cada vez mais competitiva. Frente a esse clima de competição, muitas chefias não escolhem as melhores estratégias para manterem seus postos ou alcançar esses objetivos, em alguns casos a pressão se converte no assédio.

 

Segundo FARIA (1985, p.82) “Sabe-se que a maneira pela qual as metas organizacionais são definidas vai caracterizar, o modo de organização e a forma de gestão correspondente”. Devido a este fato é que se vê uma grande diferença do assédio moral no setor público e privado.

 

No setor público os casos de assédio moral duram anos ou até décadas, este é mais acentuado, pois as pessoas de alguma forma são protegidas e só podem ser demitidas no caso de uma falha muito grave. Os métodos de assédio costumam ser mais perniciosos, o que se reflete no estabelecimento das “geladeiras”, onde os funcionários frente a um conflito com a hierarquia, se vêem rejeitados e isolados, não sendo mais adequados para o espírito da organização, nem vistos como um elemento da equipe.

 

Já no setor privado, os casos de assédio duram raramente mais que um ano, estes são conscientes, deliberados e ostensivos, na maioria das vezes com a intenção de fazer o funcionário pedir demissão de uma maneira mais econômica para a empresa, muitas vezes até por uma prática organizacional para redução do quadro de pessoal.

 

Além da realidade pública e privada certas características da empresa podem facilitar a implantação do assédio moral. Naquelas em que há um intenso nível de estresse, gerado através de excessiva pressão nos grupos de trabalho, ou pela desorganização, manifestada em uma inadequada definição dos papéis, mau clima organizacional, falta de coordenação, práticas de gestão pouco claras ou não existência de regras internas para comportamentos e métodos.

 

Empresas excessivamente hierarquizadas, que tendem a concentrar o poder nas chefias, instalando a dependência, utilizando métodos de administração que compartimentam o trabalho tornando mais fácil o procedimento de isolar a vítima de quem se quer livrar, em especial quando o funcionamento é muito centralizado e muito compartimentado, onde as mensagens não-circulam.

 

Nas relações de trabalho desumanizadas, onde a organização preocupada excessivamente com resultados financeiros se esquece de considerar os funcionários como seres humanos, considerando-os somente pelo ângulo de suas tecnicidades e utilidades. Nas quais procuram empregados “formatados” sem levar em conta suas características e diferenças pessoais. Ou aquelas que utilizam métodos de gestão no terrorismo, que para conseguir obter seus resultados instalam o medo entre os funcionários, medo de desagradar ao chefe, de não ser apreciado pelos colegas, da crítica, de erros, e de perder o emprego.

 

HIRIGOYEN (2002, p.208) acrescenta que:

 

Empresas perversas, que em lugar de incentivar cada empregado a dar o melhor de si mesmo, no seu próprio interesse e no da empresa, elas acirram as rivalidades e fazem com que as pessoas utilizem procedimentos desleais, partindo da falsa idéia de que, se as pessoas deixam de lado seu próprio interesse, serão mais produtivas no interesse exclusivo da empresa; parte também da idéia de que, em vez de efetuar demissões com os riscos de movimentos sociais que isso acarreta, é mais negócio fazer os assalariados irem embora por sua própria decisão.

 

Assim como as características da empresa são imprescindíveis, as características de mercado também vão influenciar na incidência do assédio. Em casos onde a há um crescimento baixo na economia, ou recessão o assediado vê a manutenção de seu emprego como essencial, estando disposto a suportar as maiores opressões ou inibir qualquer reação que possam colocá-lo em risco, por falta de opção, porém influenciará o resultado do seu trabalho.

 

“Quando trabalhamos em condições gratificantes, gostamos do produto realizado, alguns até se apaixonam por ele, como os escritores, mas quando trabalhamos subjugados, imprimimos raiva ao produto”. (CODO; SAMPAIO; HITOMI, 1994, p.190)

 

As conseqüências do assédio moral, portanto, se projetarão para toda a imagem da organização, pois se sabe que a maior parte do clima organizacional é atribuída ao estilo gerencial e os reflexos deste influenciam fortemente nos resultados financeiros da empresa. Quando da habitualidade do assédio moral na empresa, esta é extremamente prejudicada pelo absenteísmo, pela baixa da produtividade, por gastos em processos judiciais, além de propagar pelo mercado uma má imagem da organização, prejudicando seu nome, levando-a até a perder ou afugentar profissionais de talento.

 

Este pode ser destruidor para o ambiente de trabalho, gerando desmotivação dos outros empregados e um clima de inquietação, medo e fragilidade que se estende à organização como um todo e até à sociedade. Tal situação leva as pessoas a perder a confiança nelas mesmas e desacreditar no mundo do trabalho. (HIRIGOYEN, 2002, p.122)

 

Cabe-se então questionar como prevenir esta modalidade de relação e organização do trabalho para que essa dinâmica entre chefias e subordinados não se instale, visto que, “as relações humanas na empresa estão determinadas pela organização do trabalho, e raramente podem sem compreendidas sem elas”. (CODO; SAMPAIO; HITOMI, 1994, p. 161)

 

Em “Manual do chefe incompetente”, FONTANA, A.; ROCHA, M (2001) ressaltam que, o primeiro passo é reforçar que o perfil valorizado do gestor seja: pensamento estratégico, criatividade, inovação, gestão de projetos e de mudanças, liderança, trabalho em equipe e gestão de pessoas. Muitas vezes as empresas se preocupam apenas com a excelência técnica de seus líderes e não os preparam para se relacionar com as pessoas. Algumas vezes são promovidos, sem nenhum tipo de apoio da empresa, como se o simples fato de virar chefe tornasse a pessoa apta a exercer o cargo. O chefe deve acompanhar o processo, interferir e dar palpites enquanto as tarefas ainda estão sendo realizadas. Grande parte dos gestores não acredita que formar pessoas faça parte de suas atribuições, imaginando que, assim, vai garantir sua cadeira de chefe. Eles confundem formar com adestrar. Sendo assim, um bom chefe e um bom ambiente de trabalho muitas vezes vale mais do que um salário compensador para manter um funcionário na empresa.

 

De acordo com MOSCOVICI e CRESPO (2001, p. 165-166):

 

O capital emocional tem sido bastante descuidado no mundo dos negócios. Emoções e sentimentos ainda são ignorados ou menosprezados como se fossem variáveis menos importantes e menos decisivas na dinâmica da organização. Quase sempre são considerados negativos e precisam ficar fora das atividades produtivas. O desenvolvimento da Inteligência Emocional, que resulta competência emocional, exige compreensão, planejamento cuidadoso e liderança efetiva. Ela dota a cultura organizacional de condições positivas para produtividade e para resolução de problemas em situações de crise. A gestão competente do emocional contribui para a saúde do indivíduo e da organização, criando condições favoráveis ao relacionamento e trabalho produtivo.

 

O segundo passo seria reintroduzir o diálogo e comunicação verdadeira na empresa, falar sem temer conflitos. Promovendo respeito e escuta dos problemas dos funcionários, informando empregados (possíveis vítimas) e empresa sobre o processo do assédio moral e como ser evitado. Ou até mesmo, criando grupos permanentes para discussão do problema, fora da hierarquia, e até investigar o possível assédio e tomar providências quando detectado.

 

O terceiro passo seria o de criar códigos de ética na empresa, adotar códigos de comportamento, que deixem clara a postura e a moral da empresa sobre tais condutas, educar pessoas para o bom comportamento e estabelecer limites.

 

O seguinte seria instaurar na organização medidas para a prevenção do estresse dando boas condições no ambiente de trabalho, motivar para a idéia de que se deve levar em conta a pessoa humana, tanto quanto a produtividade. “Uma empresa que anuncia claramente seus objetivos de rentabilidade e de lucro, ao mesmo tempo respeitando seus assalariados, previne-se, contra o assédio moral”. (HIRIGOYEN, 2002, p. 204)

 

Os profissionais de saúde do trabalho deve estar atento para conscientizar das graves conseqüências das situações de violência psicológica. Assim como os sindicatos devem se preocupar também com a proteção dos funcionários nestas situações.

 

As práticas como avaliação de desempenho, onde os funcionários possam ser avaliados por mais pessoas e possam avaliar seus gerentes, treinamento gerencial, pesquisas de clima organizacional ou até mesmo a seleção de pessoal se competentemente administradas podem ser poderosas armas para medir e tratar as disfunções nos sistemas organizacionais.

 

Atualmente em diversos países existem leis aprovadas ou leis que estão caminhando para isso, que protegem os funcionários especificadamente contra o assédio moral. “… Porém, sempre existirão pessoas que descumprirão leis ou conseguirão utilizá-las em benefício próprio…”. (HIRIGOYEN, 2001, p.312) Por isso vem à importância de prevenir este contexto. Para isso, “… os indivíduos primeiro, e as empresas em seguida, devem encontrar soluções para voltar aos limites da civilidade e do respeito pelo outro”. (HIRIGOYEN, 2001, p.199)

 

Muitas empresas, porém já se encontram sensibilizadas pela importância da civilidade, atribuíram o exercício disto à política de Responsabilidade Social. A Responsabilidade Social é a demonstração de preocupação da empresa em participar de forma ativa, nos programas sociais voltados para o bem estar da comunidade onde está inserida e na sociedade em geral. A empresa socialmente responsável é aquela que consegue criar métodos, planos e incentivos para que, interna e externamente seja identificada como uma empresa cidadã. Contanto espera-se que esta demonstração de maturidade empresarial tenha sido aplicada primeiramente entre os funcionários da empresa.

 

O assédio moral é apenas mais um tipo de conflito que expõe a necessidade urgente de práticas mentalmente saudáveis para os indivíduos dentro das organizações. Este afeta a qualidade no trabalho, sendo as condições de realização profissional; a qualidade para o trabalho e a qualidade do trabalho como objetivo da organização produtiva. Refletindo a importância de atenção para os recursos “humanos” que compõe as empresas.

 

Pode-se saber muito da organização através do espaço que é dado ao setor responsável pelas pessoas, o setor de recursos humanos. Este pode ser um departamento, uma gerência, uma diretoria ou até terceirizado. É extremamente importante que a área de recursos humanos esteja junto ao topo na hierarquia das empresas, caracterizando a importância que se dá às pessoas da organização.

 

Atualmente com a explosão de consultorias o que se tem visto é a tendência em terceirizar algumas práticas deste setor, porém muitas vezes são trabalhos isolados, superficiais, sem continuidade, sem uma real demanda, realizados por pessoas que nem sempre possuem um profundo conhecimento da realidade da empresa.

 

Várias organizações possuem uma extrema preocupação com a denominação deste setor (banco de talentos, desenvolvimento de gente, e etc.) voltada para a noção de que além de um recurso humano das organizações os empregados são indivíduos.

 

As práticas dos setores de recursos humanos devem ultrapassar o único enfoque de adequar o indivíduo à organização, e sim promover o equilíbrio e a felicidade do homem, promover a satisfação das diferentes necessidades do ser humano trabalhador.

 

 

MOSCOVICI e CRESPO (2001, p.153) referem-se a qualidade de vida afirmando que:

 

Conquanto a pessoa tenha a principal responsabilidade pela qualidade de sua vida, as organizações sociais são também co-responsáveis. A empresa que reconhece e assume sua missão social preocupa-se com o bem-estar dos empregados e sua qualidade de vida. Esta orientação revela a verdadeira filosofia empresarial e os valores perfilhados e postos efetivamente em prática (…) O ambiente físico e psicossocial, as condições e processos de trabalho, a liderança/gerência, os desafios, os estímulos, o reconhecimento, o tratamento, o clima organizacional, as oportunidades de carreira, tudo enfim pode ser planejado e conduzido para obter mais produtividade, lucro, sucesso nos negócios, e, concomitantemente, qualidade de vida no trabalho.

 

Tratar o assédio moral, portanto, é promover o potencial humano da empresa. Tem-se que ampliar a noção do “homem certo no lugar certo” para fazer das organizações um “lugar certo” para o bem-estar do indivíduo. Sendo assim, pode-se providenciar a garantia de benefícios dentro das próprias organizações com um saudável ambiente de trabalho.

 

O primeiro passo para mudar na questão pessoal é se reconhecer em primeiro lugar. Quanto à organização, acredita-se que a contribuição através dessa leitura possa promover valiosas revisões nas práticas organizacionais. A intenção é a de que as organizações possam se reconhecer e perceber que a promoção da qualidade no trabalho, e para o trabalho são fontes ricas para se alcançar o aspecto mais importante para a organização, ou seja, a qualidade do trabalho em todos os sentidos.

 

Atualmente não se surpreende ver este tipo de assunto em destaque, pois nunca se falou tanto em métodos de gestão de equipes, a humanização das relações de trabalho nunca esteve tanto em pauta, o perfil buscado pelas empresas nunca foi tão reforçado pelo trabalho em equipe, e as empresas nunca estiveram adotando tanto o princípio de equipes autogerenciáveis como hoje. Por outro lado, se surpreende o assunto ser tratado com tanto enfoque tendo em vista a atual realidade sócio-econômica brasileira que frente aos índices de desemprego coloca os empregados numa situação de fragilidade.

 

Sendo assim, imaginemos então quando esta realidade for favorável, quanto “trabalho” darão os empregados a estas organizações!

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