POR UMA SEGURANÇA SUSTENTÁVEL: APROXIMAÇÃO ENTRE A PSICOLOGIA DA SEGURANÇA NO TRABALHO E A PSICOLOGIA AMBIENTAL

Autor(a):
Julio Cezar Ferri Turbay, Isabella Bello Secco

Publicação:

RESUMO – Este artigo tem como objetivo lançar um breve olhar sobre as aproximações possíveis entre duas importantes áreas emergentes da Psicologia atual que são a Psicologia da Segurança no Trabalho e a Psicologia Ambiental. Além disso, descreve como este encontro pode auxiliar no processo de desenvolvimento de ambientes de trabalho mais seguros, saudáveis e ambientalmente corretos e nas principais características dos seres humanos na sua potencial relação com o conceito de sustentabilidade.

 

Palavras Chaves: Psicologia da Segurança no Trabalho, Psicologia Ambiental, Ambiente de trabalho, sustentabilidade.

 

ABSTRACT – This article aims to launch a brief glimpse into the possible approaches between two important emerging areas of psychology, which are Psychology of Safety at Work and Environmental Psychology. Beyond that, it describes how this meeting can assist in the process of developing work environments that are safer, healthier and more environmentally correct and in the main acteristics of human in their potential relationship to the concept of sustainability.

 

Keywords: Psychology of Safety at Work, Environmental Psychology, the working environment, sustainability.

 

 

Olhar para práticas relacionadas ao Meio Ambiente pode trazer bons aprendizados aos gestores da área de segurança e saúde ocupacional. São evidentes as similaridades encontradas como, por exemplo, o desafio de preparar as pessoas para terem comportamentos preventivos. É comum que algumas organizações ainda descubram em seus coletores de lixo que o plástico de uma embalagem de biscoitos está misturado com o papel de uso nos materiais de expediente ou com aquela latinha de refrigerante, mesmo tendo lado a lado locais destinados exclusivamente para aqueles descartes específicos. Como as conseqüências da degradação ambiental, em sua maioria, são sentidas a médio e longo prazo, as pessoas tendem a não relacionar a causalidade de seus comportamentos com os impactos advindos destes.

 

No mundo da segurança isso se traduz da seguinte maneira: mesmo com regras estabelecidas, o trabalhador, que deveria utilizar determinados equipamentos, não os usa. É evidente que o trabalhador sabe (ou deveria saber) que não utilizar luvas pode lhe trazer danos, mas ao pesar os estímulos que concorrem para a realização de uma tarefa (tempo, conforto, pressa, pressão, produção, qualidade e até segurança entre outros) alguns ficam mais compensadores que outros e é nesse momento que muitas vezes o trabalhador opta por um comportamento mais arriscado.

 

Esse fato, em geral, gera nas organizações o sentimento de uma necessidade de aumentar a vigilância sobre as pessoas. O que, em geral, leva a questionamentos como: “Onde estão os técnicos de segurança?” “Como ninguém percebeu este problema antes dele acontecer?”. Um dos aspectos centrais, discutidos nas organizações de risco, gira em torno da colocação de mais pessoas para observar os trabalhadores. Muitas horas de treinamentos e ações são utilizadas para preparar as pessoas para observar os comportamentos dos trabalhadores, o que, de fato, não é ruim e pode trazer resultados benéficos para a empresa e os trabalhadores.

 

A partir deste ponto se unem duas importantes áreas da Psicologia que podem contribuir de forma essencial para a construção de ambientes de trabalho seguros, saudáveis e ambientalmente corretos. Uma é a Psicologia da Segurança no Trabalho, definida por Meliá (1999) como a parte da Psicologia que se ocupa do componente humano da segurança do trabalho, e é originada pelo fato de não ser possível criar ambientes de trabalho totalmente seguros, e a outra é a Psicologia Ambiental, definida por Gifford (1997, p.1) citado por Pinheiro e Güinter (2008, p.317), como sendo o estudo das relações entre as pessoas e seus cenários físicos considerando que nestas relações as pessoas mudam os ambientes e seus comportamentos e experiências acabam também modificando tais ambientes.

 

O que devemos questionar neste momento é se estamos preparando as pessoas devidamente para a tomada de decisões realmente seguras nos diversos ambientes com os quais interagem constantemente. É aqui que entra a discussão inicial deste artigo que sugere a busca por aprendizados referentes aos aspectos ambientais e a interação dos indivíduos com os mesmos.

 

Nos trabalhos ambientais, um dos objetivos principais, e o maior desafio, é fazer com que as pessoas desenvolvam uma percepção ambiental de cunho mais preservacionista e sustentável, que passem a se comportar de forma ambientalmente correta não por “obrigação” ou para evitar uma punição que mais cedo ou mais tarde virá, mas para preservar a vida e, principalmente, a qualidade de vida desta e das futuras gerações. Além disso, sabemos que somente a informação das conseqüências de determinado comportamento não é suficiente para evitar que o mesmo ocorra, se assim fosse, todos os fumantes deixariam o vício considerando que quando questionados todos conhecem as conseqüências deste ato. Desta forma, educar as pessoas para a preservação e prevenção é uma tarefa bastante complexa e digna de esforços no sentido de se ultrapassar as barreiras da informação somente a nível cognitivo e se alcançar uma educação mais integradora e repleta de sentido para os educandos, o que de maneira alguma se diferencia dos trabalhos em segurança do trabalho.

 

Vamos levar em conta o conceito de sustentabilidade e imaginar como ele pode influenciar no processo de gestão de segurança. De acordo com Lima (1997), que faz referência ao relatório de Brundtland (1987), o desenvolvimento sustentável pode ser definido como aquele que atende às necessidades do presente sem prejudicar a capacidade de as gerações futuras também atenderem as suas. Leff (2001, p.61), acrescenta que a sustentabilidade do processo de desenvolvimento implica em uma reorganização dos “assentamentos urbanos e o estabelecimento de novas relações funcionais entre o campo e a cidade”.

 

Diante destas afirmações, pode-se pensar sobre como fazer para que os trabalhadores pensem a sua segurança de forma sustentável. E depois de fazer, como garantir que eles continuem agindo assim?

 

A partir disso, pode-se dizer que, como o objetivo da sustentabilidade é buscar o desenvolvimento sem prejudicar a sobrevivência desta e das futuras gerações estabelecendo novas relações entre os diferentes ambientes, no que se refere à segurança do trabalho este conceito pode se relacionar com a importância de desenvolver no trabalhador a consciência para que ele trabalhe de forma a diminuir os riscos de ocorrência de algum acidente, consigo mesmo e com outros membros da equipe, contribuindo para o surgimento de uma nova relação entre o trabalhador e sua atividade. Nas duas situações, a preservação da vida e a manutenção da qualidade desta estão diretamente envolvidas.

 

Outro princípio relevante do conceito de sustentabilidade é o de identificar e reconhecer as principais fontes de recursos e utilizá-las de maneira consciente a fim de não exauri-las. Com o ser humano e sua relação com segurança podemos utilizar este mesmo princípio uma vez que é preciso identificar e reconhecer os riscos das atividades desenvolvidas e utilizar tais informações de maneira consciente a fim de conservar a integridade física e mental de si mesmo e dos outros.

 

Por exemplo: devemos entender as reais competências do ser humano para garantir que ele possa realmente responder as situações da melhor maneira possível. Vamos analisar algumas práticas relacionadas a este fator. Se fizéssemos uma simples analogia entre recursos e competências de um ser humano poderíamos dizer que para dar conta de um trabalho de maneira segura e ambientalmente correta o trabalhador deve ter os seguintes recursos desenvolvidos:

 

1.Capacidade de planejamento:

Esta capacidade está diretamente relacionada à nossa condição humana. Segundo GILBERT (2006, p. 4), “o ser humano é o único animal que pensa sobre o futuro”. Ao planejar, o ser humano antevê o futuro, e de alguma maneira cria expectativas em relação ao que pode ou não acontecer ao realizar uma determinada atividade ou qualquer ação cotidiana.

Ao olharmos este fenômeno em uma linha de produção caracterizada pela repetitividade das ações e movimentos podemos entender o planejar humano como algo subutilizado, pois o trabalhador tem pequenas mudanças na sua rotina na alteração de um produto ou quando algo sai errado. Nessa área é comum termos constantes reclamações por parte dos trabalhadores em relação à monotonia, este tipo de atividade tem forte ligação as queixas médicas de problemas ósteomusculares.

 

  1. Tomada de decisões.

Quando procuramos tomar alguma decisão, sempre esperamos que estas beneficiem a nós mesmos e aos outros que estão a nossa volta. Porém, estamos cientes de que quando as coisas acabam não saindo como o esperado as conseqüências são, na grande maioria das vezes, desastrosas. Sempre que tomamos alguma decisão e agimos de acordo com tal, haverá sempre alguma ou “algumas” conseqüências que podem estar dentro do nosso controle e outras que podem ser consideradas como riscos ou incertezas, as quais não conseguimos controlar (PIDD, 1998).

 

Quando tratamos de segurança do trabalho e meio ambiente, o processo de tomada de decisão não é diferente e implica também estas questões. O trabalhador precisa estar atento às escolhas que faz e tentar prever, se não todos, pelo menos alguns riscos e conseqüências de suas ações para si e para os outros considerando também a temporalidade desses resultados que podem não ser imediatos mas também à médio e longo prazo.

 

  1. Análise crítica:

No processo de tomada de decisão outra questão fundamental, uma vez que é indispensável para que se avaliem as situações, é a análise crítica que o indivíduo faz destas e da forma como interage com o meio no qual está inserido. Analisar criticamente determinada situação é refletir acerca dos comportamentos próprios e das pessoas que nos cercam conferindo a eles algumas possíveis conseqüências e também pensar sobre formas de minimizar os possíveis danos ou impactos e otimizar procedimentos. Não se restringe ao simples “fazer por fazer”, mas sim de um fazer consciente e ativo que objetiva a preservação da vida e, principalmente, pela qualidade de vida.

 

Quando há uma boa compreensão do fenômeno que está sendo apresentado, torna-se mais fácil o planejamento de estratégias para atingir determinados objetivos, ou seja, somente através do desenvolvimento de uma boa formulação da situação ou problemas presentes em determinado contexto, é que se podem planejar procedimentos efetivos para se alcançar as mudanças desejadas e, conseqüentemente, ficará mais fácil avaliar se um determinado tipo de intervenção é eficaz ou não (MC MULLIN, 2005).

 

  1. Capacidade de observar cenários:

O desenvolvimento desta capacidade envolve fazer com que os indivíduos passem a observar o cenário no qual estão inseridos, para que possam analisá-lo de forma mais efetiva considerando o maior número de variáveis presentes.

 

  1. Disseminar aprendizagens:

Compartilhar experiências auxilia para que o aprendizado se organize e para que as pessoas passem a agir como multiplicadores de uma nova forma de cultura nos diferentes meios a que pertencem. Além disso, aquele velho ditado “faça o que digo e não o que faço” não serve como um bom exemplo de conduta social.

 

Cabe salientar que, em pesquisa realizada por Villacorta, Koestner e Lekes (2003 apud RIBEIRO; CARVALHO; OIVEIRA, 2004), que investigou as condições de aquisição de comportamentos pró-ambientais (de cuidado e proteção da natureza), concluíram que as pessoas são mais propensas a adquirir tais comportamentos em três situações: a) quando seus parentes demonstram interesses em desenvolver comportamentos pró-ambientais; b) quando seus parceiros e/ou familiares apóiam o seu envolvimento com estes comportamentos e, c) quando eles já dispõem de aspirações ambientais voltadas para os problemas das comunidades locais. Nestes três casos observa-se que a aprovação social tem uma importante função reforçadora em curto prazo e indispensável para a manutenção destes comportamentos indispensáveis na atualidade.

 

De acordo com Aragonés e Amérigo (1998), as informações advindas do ambiente que se referem aos atributos e localizações relativas das pessoas e dos objetos são essenciais nos processos adaptativos da tomada de decisão espacial; sendo assim destaca-se a importância de se levar informações às pessoas utilizando técnicas e recursos que tornem esta informação significativa e aplicáveis nos processos de tomada de decisão cotidiano.

 

  1. Utilização consciente dos recursos.

As pessoas precisam conhecer os recursos disponíveis (neste caso, tanto os naturais quanto os que envolvem a segurança), para que possam realizar com mais efetividade todas as outras etapas acima mencionadas.

 

  1. Preocupação com a coletividade.

De acordo com Marçolla (2002, p. 126), com a pós-modernidade, as pessoas perderam uma visão ampla porque passaram a se centrar em suas vidas individuais. Taylor (1994 apud Marçolla, 2002) descreve o fenômeno do individualismo, afirmando que a partir deste, ao mesmo tempo em que os indivíduos se voltaram para si mesmos, eles também não sabem quem são, o que querem e a que vêm. Desta forma, o individualismo fortalece-se na mesma proporção em que a subjetividade torna-se cada vez mais fragilizada.

 

  1. Olhar voltado para o futuro.

Esta capacidade de intuir está relacionada à temporalidade (passado-futuro), como uma forma de “palpite”, uma antevisão de fatos que ainda não são objetivamente reais, observando o todo. As pessoas que possuem esta capacidade desenvolvida conseguem captar o que percebem no momento presente, mas tem interesse no significado e possibilidades futuras (RUBIO, 2000, p. 73-75).

 

Skinner defende a idéia de que para controlar ou modificar o comportamento humano basta apenas controlar o ambiente: “o comportamento é modelado e mantido por suas conseqüências” (Gêiser, 1977, p. 31). Trata-se do comportamento operante, ou seja, aquele que atua sobre o ambiente e gera conseqüências. O aprendizado operante ocorre através da continuidade de uma reposta e sua conseqüência. Ainda segundo Skinner, se o comportamento de um organismo for seguido de um estímulo de reforço (qualquer modificação do ambiente constitui um estímulo), então se torna mais provável que esse comportamento volte a ocorrer no futuro (Gêiser, 1977, p. 31).

 

Sendo assim, se observarmos comportamentos relacionados à segurança do trabalho e preservação do meio ambiente, concluiremos que como muitas das conseqüências deles não são percebidas imediatamente, a repetição e instalação de comportamentos inadequados ao repertório de cada pessoa se torna bastante freqüente.

 

  1. Apropriação do espaço

Apropriar-se do espaço não é fazer dele somente uma utilização, mas também, estabelecer uma relação com ele integrando-o em nossas próprias vivências, enraizar-se e deixar marcas, organizando-o e se posicionando como atores de transformação destes espaços. Nesta noção podemos perceber que as pessoas deixam marcas suas e se apossam dos espaços tornando-o um “lugar”, formando com ele uma unidade (POL, 1996 apud FREIRE; VIEIRA, 2006).

 

Conclusões e outros desafios

Um dos maiores desafios do desenvolvimento sustentável é formar capacidades para orientar um desenvolvimento fundado em bases ecológicas, de equidade social, diversidade cultural e democracia participativa estabelecendo o direito à educação, à capacitação e formação ambiental sustentável, permitindo às pessoas e sociedade produzir e apropriar-se de saberes, técnicas e conhecimentos para participar na gestão de seus processos de produção, decidir sobre suas condições de existência e definir a qualidade de vida que deseja desfrutar (LEFF, 2001, p. 246-247). Sendo assim, é possível perceber que os desafios envolvendo segurança do trabalho e meio ambiente são convergentes e que uma área pode contribuir, e muito, com a outra e inclusive dialogar de forma bastante pacífica e enriquecedora somando esforços para alcançar os mesmos objetivos.

Aragonés, J. I.; Amérigo, M. (1998). Psicología Ambiental. Madrid: Pirâmide.

 

Freire, J. C.; Vieira, E. M. (2005). Uma escuta ética de psicologia ambiental. Universidade Federal do Ceará.

 

Gêiser, R. L. (1977). Modificação do comportamento e sociedade controlada: como as teorias de Skinner são aplicadas para modificar o comportamento em escolas, hospitais, prisões – manipulando e programando pessoas para o bem. Rio de Janeiro: Zahar Editores.

 

Gilbert, D. (2006). O que nos faz felizes: o futuro nem sempre é o que imaginamos. Rio de Janeiro: vier.

 

Güinter, H.; Pinheiro, J. Q. (2008). Métodos de Pesquisa nos Estudos Pessoa-Ambiente. São Paulo: Casa do Psicólogo.

 

Leff, E. (2001). Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Trad. Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes.

 

Marçolla, B. A. (2002). OS desafios da psicologia frente à questão ecológica: rumo à complexa articulação entre natureza e subjetividade. Psicologia Ciência e Profissão. São Paulo, 22, 120-133.

 

Meliá, J.L. (1999). Medición y Métodos de Intervención en Psicología de la Seguridad y Prevención de Accidentes. Revista de Psicología del Trabajo y de las Organizaciones, 15(2).

 

McMullin, R. E. (2005). Manual de Técnicas em Terapia Cognitiva. Porto Alegre: Editora Artmed.

 

Lima, G. F. C. (2002). O debate da sustentabilidade na sociedade insustentável Universidade Federal de Salvador (UFS). Recuperado em 20 nov 2007: www.dm.ufscar.br.

 

Pidd, M. (1998). Modelagem empresarial: ferramentas para tomada de decisão. Trad. Gustavo Severo de Borba. Porto Alegre: Artes Médicas.

 

Ribeiro, M. J. F. X.; Carvalho, A. B. G. C.; Oliveira, A.C. B. (2004) O estudo do comportamento pró-ambiental em uma perspectiva behaviorista. Recuperado em 01 mar 2007: www.unitau.br.

 

Rubio, K. (2000). Psicologia do Esporte: Interfaces, pesquisas e intervenções. São

Paulo. Casa do Psicólogo.

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