RESULTADO PÓS INTERVENÇÃO EM PSICOLOGIA DA SEGURANÇA DO TRABALHO EM EMPRESA DE EXCELÊNCIA

Autor(a):
Lucille Fanini, Aline Fatturi Rodrigues

Publicação:

Trabalho apresentado no CONASEMT – Congresso Nacional de Segurança e Medicina do Trabalho.

 

 

RESUMO – Serão apresentados os resultados obtidos após um período de 3 anos de intervenção em segurança comportamental realizada em uma indústria de excelência do ramo petroquímico localizada no Polo Industrial da Bahia. A empresa é composta por aproximadamente 210 funcionários próprios e 120 terceiros e é referência nas áreas de Segurança sendo vencedora por seis anos consecutivos do Prêmio Polo de excelência em Segurança. Em 2006 foi realizado o primeiro diagnóstico de Clima e Cultura de Segurança em que o clima foi investigado por meio de uma pesquisa de quatro variáveis: avaliação das ações realizadas pela empresa, atuação das lideranças, atuação dos colegas e auto avaliação. Além da pesquisa quantitativa, foi realizada uma análise documental e uma pesquisa qualitativa, que se utilizou de grupos focais envolvendo todos públicos, entrevista, visitas em área e análise documental como método de coleta de dados. Todas as informações obtidas foram analisadas, consolidadas e os principais achados foram: diretrizes de segurança amplas e atuais, processo e ferramentas adequados e utilizados com qualidade e com extrema importância para a gestão da segurança, expressiva atuação da liderança, da área responsável pela segurança e de seus funcionários; a partir da análise das informações levantadas no diagnóstico detectou-se também, através da aferição dos processos e ferramentas, o nível de atendimento em qualidade. Uma vez que estes resultados foram identificados, um plano de ação foi desenvolvido com atividades para aperfeiçoamento e padronização de ferramentas de segurança já existentes, considerando os aspectos psicossociais, bem como implantar uma ferramenta de observação e abordagem comportamental. Em 2010 foi realizado novo diagnóstico de Clima e Cultura de Segurança para verificação da eficácia da intervenção realizada; foi constatado através de indicadores de tendência e resultados que a intervenção realizada foi eficiente em grande parte das atividades desenvolvidas. Houve aumento da favorabilidade do clima de segurança gerando uma tendência de cultura em que o cuidado ativo é genuíno (cuidar de si, cuidar do outro e permitir ser cuidado). Entretanto, esta segunda pesquisa apontou para a necessidade de realizar novas intervenções de cunho mais específico de maneira a aumentar a percepção da força de trabalho das melhorias que foram desenvolvidas pela empresa dentro da área de Segurança. Além disso, pelo padrão de excelência diagnosticado dos processos e ferramentas, há uma possibilidade de revisão incluindo novos critérios e desafios de metas seguindo a proposta de melhoria contínua.

 

 

Palavras chave: psicologia da segurança no trabalho, prevenção de acidentes de trabalho, desenvolvimento organizacional.

 

  1. INTRODUÇÃO

 

A Psicologia Organizacional é caracterizada pela aplicação dos princípios científicos da psicologia no ambiente do trabalho, ou seja, estuda os comportamentos, as relações entre as pessoas e grupos, disposições, motivos, crenças, reações, atitudes, significados, valores e sentimentos no contexto do trabalho e das organizações. (Specto, 2006 e Zanelli 2004).

 

Já a psicologia da segurança do trabalho é a área da psicologia que se ocupa da conduta humana na segurança, procurando esclarecer como o indivíduo, o grupo, os fatores organizacionais, sociais e ambientais moldam a dimensão da segurança de todo comportamento humano (Meliá, 1999). A utilização de seus pressupostos teóricos dá-se nos mais variados contextos sendo alguns exemplos o trânsito, o esporte, o transporte (ferroviária, rodoviário e aéreo) e no contexto do trabalho.

 

A área de atuação da psicologia da segurança do trabalho pode ser dividia em três campos distintos: do diagnóstico, da teoria e da intervenção. No campo teórico, a psicologia da segurança busca explicar e prever os comportamentos dentro do local de trabalho e estuda não só os comportamentos seguros e inseguros, mas também os fatores organizacionais que influenciam a conduta humana e como eles podem variar ao longo do tempo e do contexto (Meliá, 1999).

Os processos de diagnósticos são fundamentais uma vez que oferecem a segurança de se estar trabalhando com fontes de informações confiáveis evitando, dessa maneira, especulações ou evidencias baseadas em histórias pessoais que não necessariamente representam o contexto organizacional. E é a partir dessas informações que um plano de ação, proposta de intervenção ou tomada de decisão deve-se basear (Zanelli, 2004 e Meliá, 2004).

Dentro do campo da pesquisa em psicologia da segurança do trabalho, o conceito de Clima e Cultura de Segurança e seus processos de medições são parte importante para o desenvolvimento de diagnósticos e o embasam teoricamente. Denison (1996) define clima como sendo uma situação e suas ligações com pensamentos, sentimentos e comportamentos dos membros de uma organização. É temporal e subjetivo e muitas vezes sujeito a manipulações diretas por pessoas com poder e influência. Já cultura pode ser definida como sendo a evolução do contexto, dentro do qual uma situação pode ser incorporada. É enraizada na sua história, mantida pela coletividade e suficientemente complexa para resistir a muitas tentativas de manipulação direta. É a partir desse referencial teórico, e outros (Mearns e Flin, 1999) que se estabelecem as pesquisas de clima e cultura de segurança. Após algumas revisões e modificações nesses processos, os autores concluíram que o conceito de clima pode ser feito a partir de três fatores:

 

  1. a) Atitudes de gestão, ou seja, a percepção dos empregados sobre como a alta administração se preocupa com o seu bem-estar;
  2. b) Ações de gestão, ou seja, a percepção dos empregados sobre a resposta da Alta Administração aos problemas de segurança.
  3. c) Nível de risco, ou seja, a percepção de risco físico dos trabalhadores (Mearns e Flin, 1999).

 

Meliá (2004) trouxe importantes contribuições para a pesquisa do Clima e da Cultura de Segurança com o desenvolvimento da Bateria Valencia – PREVACC, que rompe com a tradicional ambiguidade presente até então nas medidas dos fatores humanos em segurança do trabalho. A bateria estabelece e mede indicadores específicos da resposta da segurança do trabalho em todos os níveis da organização, ou seja, o conjunto de fatores comportamentais e psicossociais que afetam a probabilidade dos acidentes de trabalho e problemas a saúde do trabalhador. A bateria permite uma avaliação minuciosa e fundamentada da resposta em segurança da organização, da liderança, dos companheiros de trabalho e do empregado.

 

Também é possível, a partir da Bateria Valencia – PREVACC determinar qual a contribuição de cada um desses fatores nas questões de segurança e o que é feito ou não em matéria de segurança (Meliá, 2004). Outro importante benefício oferecido pelo diagnóstico a partir desse pressuposto teórico é a possibilidade de estruturação de ações para se trabalhar com os elementos identificados em ordem de prioridade e importância, e dessa forma, estabelecer um processo preventivo ordenado e eficaz.

 

Por fim, há um terceiro campo de atuação da psicologia da segurança do trabalho: as intervenções (Meliá, 2004). As intervenções têm objetivos bastante claros: reduzir os acidentes e danos a saúde e aumentar o bem estar físico e psicológico do trabalhador. Para obtenção desses resultados as intervenções devem focar na mudança do clima e da cultura de segurança. Neste ponto entretanto cabe mencionar o que Lawrie, Parker &Hudson 2006 afirmaram quanto aos desafios de se criar um plano de intervenção que trabalhe o clima e a cultura organizacional e que melhore o desempenho de segurança da organização: “Enquanto se admite de maneira geral que desenvolver uma cultura de segurança ‘positiva’ melhora o desempenho de segurança, poucas instruções são dadas sobre como as organizações podem alcançar este objetivo” (Lawrie, Parker & Hudson, 2006).

 

Este trabalho procurou conciliar os três campos de atuação da psicologia da segurança do trabalho através das duas pesquisas realizadas integrando diagnóstico, intervenção e teoria.

 

O diagnóstico teve como pressuposto teórico os conceitos acima descritos e o instrumento de pesquisa foi derivado da Bateria Valencia PREVACC e adequado a realidade brasileira. As variáveis utilizadas para essa investigação foram as mesmas da Bateria, ou seja, a percepção que os trabalhadores possuem sobre as ações da empresa em segurança, a atuação da liderança e dos colegas em segurança e como cada trabalhador se auto avalia no que se refere as questões de segurança.

 

Já a intervenção buscou utilizar os dois pressupostos teóricos de gestão e mudança cultural, simbólica e pelo desenvolvimento organizacional e suas ações buscaram não só mudar as dimensões superficiais da cultura, mas também algumas crenças básicas que impedem a melhoria no desempenho de segurança.

 

 

 

  1. REVISÃO TEÓRICA

 

A intervenção para mudança cultural organizacional pode ser realizada utilizando-se duas perspectivas: administração simbólica e desenvolvimento organizacional. A administração simbólica é a gestão da mudança cultural através da influência da atuação das lideranças estratégicas nos valores e normas culturais, mudando elementos de superfície, tais como símbolos, histórias, estórias, cerimônias, exaltação de heróis que entrarão para a história da organização. Esses eventos têm como objetivo explicitar os novos acordos culturais desejados. São exemplos dessa perspectiva de mudanças encontros que envolvem toda força de trabalho e a alta liderança da organização para se apresentar e discutir os comportamentos atuais que são desejados em segurança do trabalho. Esses eventos e cerimônias, mais do que um marco, são formas de repassar valores e normas centrais da organização e servem como guia para orientar os trabalhadores em como proceder diante de determinadas questões (Zanelli 2004).

 

Zanelli (2004) nos alerta para os cuidados necessários com essa perspectiva de mudança para que ela não pareça mera perfumaria ou perda de tempo. Essa avaliação feita pode ser resultado de situações onde as cerimônias, “estórias” ou histórias que deveriam dar peso a uma determinada questão da organização e que deveriam ser rigorosamente cumpridas perdem sua consistência e força, na medida em que a força de trabalho em geral, no dia a dia, se depara com múltiplos estímulos onde os acordos firmados não são cumpridos. Para os trabalhadores o significado dado a essas situações é que na verdade se trata de uma “grande hipocrisia”, criando dessa forma um contexto paradoxal.

 

A outra possibilidade de intervenção se dá através da gestão de mudança cultural por meio das práticas de desenvolvimento organizacional. Esse modelo de intervenção é visto como facilitador da mudança para instalação de comportamentos condizentes com os novos valores e normas através do desenvolvimento organizacional que pode ocorrer após a identificação das normas e valores vigentes, estabelecimento de novas diretrizes pessoais, grupais e organizacionais, identificação de novos valores e normas, reconhecimento das defasagens culturais e preenchimento dessa defasagem. (Zanelli, 2004)

 

É interessante que a mudança da cultura organizacional em segurança esteja focada em direção a uma evolução na Matriz de Cultura de Segurança. Neste sentido o trabalho mais recente e completo desenvolvido até o momento é o do programa Hearts and Minds desenvolvido pelo Energy Institute de Londres em parceria com a Shell. Ele trabalha com um plano de intervenção que se propõe a desenvolver os comportamentos seguros tanto da liderança quanto da força de trabalho e da empresa em si; inclui a avaliação das organizações a partir da Teoria da Matriz de Cultura de Segurança em que tais organizações podem ser classificadas em 5 níveis, a partir da realização da pesquisa qualitativa. Os níveis são: Patológico (o mais básico de todos, onde a segurança é uma das menores preocupações da empresa, a produção é a maior e os acidentes são tratados como responsabilidade unicamente da vítima); Reativo (em que a vítima ainda é tratada como responsável única pelo acidente, cada um cuida de si próprio e onde as preocupações com melhorias de segurança só acontecem após um acidente grave); Calculador (um nível intermediário, onde a segurança é considerada importante, existem programas de incentivo a redução de taxa de acidentes que são percebidos como falhas no “sistema”, mas há uma limitação na interação entre aqueles que fazem as regras de segurança e a força de trabalho, o que acaba por gerar a opinião da força de trabalho de que a segurança mais atrapalha do que ajuda); Pró Ativo (onde a gestão percebe que possui alguma responsabilidade sobre os acidentes, a segurança é considerada uma prioridade e as habilidades dos funcionários são valorizadas dentro da gestão de segurança) e o Generativo (onde a preocupação com a segurança é prioridade máxima, os sistemas e procedimentos de segurança são revisados com frequência, os funcionários cuidam de si próprios e dos outros também e qualquer acidente fatal é visto como uma perda de um membro da família). O objetivo da identificação do nível de cultura de segurança da organização seria o de facilitar o desenvolvimento de um plano de ação que atendesse as necessidades da empresa dentro das contingências que influenciam seu desempenho de segurança.

 

É interessante notar que o programa proposto pelo Hearts and Minds apresenta características das duas propostas de intervenção sugeridas por Zanelli (2004). A utilização da administração simbólica se dá através de etapas do programa onde em diversos momentos é solicitado aos participantes que elaborem planos de ações, que sejam contempladas cerimônias ou momentos específicos onde são feitas declarações que representam as mudanças ou os novos comportamentos e compromissos desejados tanto por parte da liderança quando da força de trabalho para que a mudança cultural aconteça. Os planos de ações são elaborados dentro de uma metodologia que pode ser caracterizada pelo desenvolvimento organizacional, que sustentará e embasará o processo de mudança.

 

 

  1. MÉTODO

 

Para avaliar o clima e a cultura de segurança organizacional foi aplicado um questionário derivado da Bateria Valencia – PREVACC de Meliá (2004) com a avaliação do clima realizado pela investigação da percepção dos trabalhadores em 4 variáveis: ações da empresa, liderança, colegas e auto avaliação.

 

Foram realizadas duas pesquisas de avaliação de clima e cultura, utilizando-se das mesmas variáveis de investigação, porém com perguntas distintas. Essa alteração foi necessária para identificação de questões específicas após intervenção. O primeiro questionário incluía 31 questões referentes às quatro variáveis e o questionário utilizado na segunda pesquisa continha 35 questões que cobriam as quatro variáveis estudadas.

 

A primeira pesquisa foi realizada em 2006 com 197 funcionários de todas as áreas da empresa, sendo 52 líderes (gerentes e supervisores). Também participaram da pesquisa 4 empresas terceiras fixas com 96 funcionários, sendo 16 líderes. A coleta de dados aconteceu por um período de 4 dias.

Um plano de intervenção foi executado a partir dos resultados obtidos na primeira pesquisa por um período de 1 ano, e após 3 anos uma nova pesquisa diagnóstica foi realizada, desta vez com 190 funcionários, sendo 32 da liderança e 86 contratados de 4 empresas terceira fixas sendo que destes 15 eram da liderança.

 

 

  1. RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

4.1 Caracterização do grupo estudado

 

Os funcionários pesquisados apresentaram media de idade na faixa entre 35 e 41 anos com desvio padrão de 1,66 (SD=1.66), com média de 7 a 15 anos de tempo de trabalho na empresa (SD= 1,74) e escolaridade media de segundo grau completo (SD= 1,04).

 

4.2 Resultados

 

O questionário utilizado apresentou esfericidade KMO = 0,828 na primeira pesquisa e KMO = 0,889 na segunda pesquisa, indicando que o instrumento utilizado é adequado para medição do construto clima e cultura de segurança.

 

A partir da análise correlacional entre os quatro fatores, tanto para a primeira pesquisa como para a realizada após a intervenção, foram obtidos os dados abaixo:

 

 

Tabela de correlação para os fatores empresa, liderança, indivíduo e colegas na pri-meira pesquisa.

Liderança Colegas Indivíduo Empresa
Liderança 1 0,409** 0,511** 0,488**
Colegas 0,409** 1 0,404** 0,341**
Individuo 0,511** 0,404** 1 0,552**
Empresa 0,488** 0,341** 0,552** 1

 

 

** correlação é significante ao nível p=0,01

 

Os dados da tabela acima mostram que há relação entre todas variáveis investigadas, indicando que a segurança depende dos quatro aspectos estudados: empresa, liderança, colegas e indivíduos; a correlação positiva mostra que quando o comportamento seguro aumenta para um destes fatores, ele acaba por influenciar os outros três.

 

Tabela de correlação para os fatores empresa, liderança, indivíduo e colegas na segunda pesquisa.

 

Liderança Colegas Individuo Empresa
Liderança 1 0,547** 0,363** 0,457**
Colegas 0,547** 1 0,692** 0,636**
Individuo 0,363** 0,692** 1 0,515**
Empresa 0,457** 0,636** 0,515** 1

 

** correlação é significante ao nível p=0,01

 

 

 

Os dados da tabela 2 mostram que a correlação dos fatores na segunda pesquisa continuou existente, porém o que chama mais atenção é o fato de que a carga correlacional é, de maneira geral, maior na segunda pesquisa em comparação com a primeira, indicando que a associação dos fatores pesquisados no contexto pós-intervenção é maior do que no contexto pré-intervenção. A única carga que sofreu uma queda no seu valor comparado ao da primeira pesquisa foi a que correlaciona o indivíduo e o superior, porém este fenômeno é teoricamente explicável e iremos abordá-lo mais adiante.

 

A partir dos resultados coletados na primeira e na segunda pesquisa, foi realizada a análise estatística de medidas repetidas para verificar se havia ocorrido alguma mudança no clima e na cultura de segurança das quatro variáveis abrangidas pelo questionário (empresa, liderança, colegas e indivíduo). Na média os comportamentos para segurança e para colegas no momento pré-intervenção eram menores (M=4,27, EP=0,039) do que no contexto pesquisado após a intervenção (M=4,42, EP=0,032, t(255)= -3,02, p < 0,05, r= 0,20). O mesmo quadro foi estatisticamente comprovado para os comportamentos dos superiores antes (M=4,51, EP=0,032) e depois da intervenção (M= 4,67, EP=0,028, t(246)= -3,87, p < 0,05, r= 0,24). Os comportamentos para segurança do indivíduo também foram melhores na média no momento pós-intervenção (M= 4,67, EP=0,028, t(256)= -0,91, p < 0,05, r= 0,05) do que no contexto analisado antes da intervenção (M= 4,63, EP= 0,021). O único fator em que, na média, os comportamentos seguros foram melhores no momento pré-intervenção (M=4,57, EP=0,032) do que no contexto pós-intervenção (M=4,47, EP=0,038, t(224)= 1,91, p < 0,05, r= 0,12) foi aquele relacionado à empresa. Para todas as variáveis o efeito da intervenção (r) ficou abaixo de 0,30, o que implica que a intervenção foi responsável por 9% da variação comportamental estudada.

 

 

 

Análise de dados

 

 

A partir dos resultados apresentados é possível realizar algumas análises e levantar hipóteses referentes tanto ao instrumento de pesquisa utilizado, quanto à intervenção propriamente dita.

 

Primeiramente, o instrumento utilizado para avaliar o clima, apesar de ter número de questões diferentes em cada um dos momentos de coleta de dados, se mostrou adequado para o construto que se propunha a medir uma vez que em ambos os momentos o índice KMO acima de 0,80, considerado pela literatura estatística como ótimo (Field, 2009). Isso implica que ao se pesquisar o clima de uma organização utilizando como variáveis a empresa, o indivíduo, os colegas e a liderança o número de questões para cada variável não interfere na variável em si.

 

As correlações também mostram que o objetivo da intervenção estava adequado, no sentido de que buscava analisar variáveis que realmente interferem no clima e na cultura de segurança e que são interdependentes, ou seja, que indiretamente influenciam umas as outras. Este resultado era esperado a partir da análise psicossocial dos acidentes laborais apresentada por Meliá (1998), onde o autor afirma que colegas, liderança, empresa e o próprio trabalhador se relacionam entre si e em cadeia com o clima de segurança organizacional que por sua vez possui efeito causal nos acidentes de trabalho.

 

É importante lembrar que essas variáveis não estabelecem relações de causa e consequência, mas de dependência, no sentido de que não significa que a liderança é a causas dos comportamentos seguros ou inseguros dos indivíduos ou que os indivíduos sejam a causa dos comportamentos seguros ou inseguros dos seus colegas, mas que ao intervir na liderança, por relações de interdependência, acaba-se por intervir também nas outras variáveis. Ou seja, uma intervenção que é realizada com o objetivo de provocar uma mudança em uma das variáveis, também acaba contribuindo para a melhoria das demais.

 

Ainda na análise correlacional é possível identificar que na segunda pesquisa a carga correlacional entre a liderança e o indivíduo é menor; esse dado levanta diversas hipóteses. Uma delas pode ser a de que o papel da liderança tenha passado de controlador para conscientizador, o que diminuiria a dependência pela liderança para que o indivíduo se comporte de maneira segura. Entretanto, também é possível aventar-se a hipótese de que, dentro da curva de maturidade, os indivíduos tenham evoluído mais que a liderança – em um fenômeno possível, aquele em que as variáveis se encontram em pontos distintos da curva de maturidade dentro da mesma organização – o que também influenciaria a dependência dos indivíduos pela liderança.

 

Ao analisar os dados da estatística de medidas repetidas é possível ver que a proposta da intervenção também foi adequada, pois apesar do efeito dela ter sido responsável por apenas 9% das variações de comportamento, esse número se justifica pelo tempo reduzido da intervenção dentro da empresa e pelo espaço de tempo entre a primeira pesquisa e a segunda pesquisa. Mesmo assim, porque a cultura organizacional possui um escopo de variáveis influenciadoras complexas, nenhum valor positivo, por menor que seja, deve ser ignorado. Nesse sentido, pode-se levantar a hipótese de que quanto mais tempo de intervenção, melhor será o resultado, principalmente em se tratando de cultura organizacional.

 

Finalmente, ao pensar no efeito da própria intervenção, uma hipótese do porque os comportamentos seguros da empresa não sofrem alteração depois da intervenção pode ser feita. Dentro da cultura organizacional existem tantas variáveis influenciadoras, além das que foram contempladas nesta pesquisa, e que podem não ter relação nenhuma coma segurança – como apontado na revisão teórica – que o tempo de intervenção não tenha sido suficiente para que houvesse uma mudança significativa. Também podemos levantar a hipótese que a não alteração da variável empresa esteja correlacionada ao aumento da crítica para as questões de segurança com consequente aumento da expectativa das ações da empresa na segurança.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES

 

 

A partir de tudo o que foi exposto até aqui é possível afirmar, em primeiro lugar, que não existe um único fator que seja exclusivamente responsável pelas ocorrências dentro de uma organização. Ao trabalhar na cultura organizacional dentro do escopo da segurança, é preciso atentar-se para as demais variáveis que se relacionam a segurança e que foram apresentadas no trabalho. Não há como ocorrer uma dissociação entre empresa, indivíduo, liderança e colegas de trabalho, uma vez que todas estas variáveis se relacionam para promover o clima e a cultura de segurança.

 

Em segundo lugar, podemos concluir que apesar da complexidade da proposta de intervenção no clima organizacional, esta é possível e apresenta resultados positivos, que podem acarretar na diminuição no numero de ocorrências dentro da empresa.

 

Por fim, a própria proposta de intervenção merece mais atenção de estudos dentro da área de segurança, principalmente no que se refere a projetos de intervenção de médio e longo prazo, para verificar qual o impacto deste tipo de intervenção dentro da cultura organizacional, principalmente para o fator ‘empresa’ e não somente da cultura das demais variáveis.

 

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