UMA REVISÃO TEÓRICA ACERCA DO CONCEITO DE CLIMA DE SEGURANÇA
Autor(a):
Julio Cezar Ferri Turbay
Publicação:
Artigo publicado no 10ª Seminário de Saúde, Segurança e Higiene do Trabalho, na Prevensul. Ele ocorreu de 20 a 22 de junho de 2007 em Porto Alegre – RS.
RESUMO – Este artigo procura apresentar uma rápida revisão bibliográfica acerca do conceito de Clima de segurança, sua evolução, as principais referências de aplicação e ao final uma provocação aos leitores para pensar na aplicação futura deste conceito nos processos prevencionistas brasileiros.
Introdução
Nos últimos 20 anos o clima de segurança tem sido um dos principias temas de interesse no âmbito teórico da Psicologia da Segurança no Trabalho. As pesquisas realizadas com este fenômeno auxiliaram em muito na compreensão de certos aspectos psicossociais e da relevância e impacto destes na prevenção dos acidentes de trabalho.
O conceito de clima, sempre esteve relacionado com as descrições que um trabalhador faz do seu ambiente de trabalho (Ramos, Peiró e Ripoll, 1996). Oliver, Tomás, Islas e Meliá (1992) definem o clima como: “uma percepção subjetiva da organização, seus membros, suas estruturas e seus processos, que apresentam aspectos comuns, apesar das diferenças individuais, baseados em indícios ou elementos objetivos do ambiente, e que, além disso, atua como antecedente da conduta dos sujeitos, qualidade que lhe confere sua verdadeira importância”. Estas percepções também têm seu impacto sobre as questões de segurança e as compreensões e percepções sobre os riscos.
No caso específico da segurança o conceito de clima tem sido reinterpretado de diferentes formas e seu conceito tem mudado a partir de diversas contribuições. Nesta comunicação se apresenta uma revisão dos trabalhos mais importantes relacionados ao tema de clima de segurança e agrupa as pesquisas em dois grupos diferentes, sendo o primeiro aquelas investigações que tinham como objetivo delimitar o conceito final de clima de segurança, e o segundo grupo compreende as investigações que relacionam o conceito de clima a outras variáveis organizacionais e a outros fenômenos de segurança.
Pesquisas sobre o conceito de clima de segurança
O clima de segurança apresenta algumas modificações no decorrer das pesquisas. Segundo Zohar (1980) o conceito de clima de segurança tem uma relação direta com as percepções dos trabalhadores sobre as condutas de segurança nas situações de trabalho. O autor propõe oito dimensões para a determinação do clima de segurança: Importância dos programas de treinamento, Atitudes da alta administração em relação a segurança, Efeitos da conduta segura na ascensão profissional, Nível de risco no lugar de trabalho, Efeitos do ritmo do trabalho na segurança, Status dos profissionais da área de segurança, Efeitos da conduta segura na imagem perante o grupo de trabalho, e o Status do ou dos comitês de segurança existentes na empresa.
Brown e Holmes (1986) colocam à prova o modelo de Zohar e propõem um modelo tridimensional: Preocupação da alta administração com o bem estar de seus funcionários; como a alta administração responde a estas preocupações; e o risco físico presente nas atividades dos empregados.
É na década de 90 que se desenvolvem a maior parte das pesquisas relacionadas com o clima de segurança. Dedobbeleer e Bèland (1991) questionam o modelo de Brown e Holmes e propõem uma solução bifatorial: Compromisso da Alta administração e o Compromisso dos trabalhadores.
Sepälä (1992, citado por Niskanen 1994) propõe por sua parte as seguintes dimensões para definir o entorno do conceito de clima de segurança: Responsabilidade da empresa pela segurança, Interesse dos trabalhadores pela segurança, e a Indiferença dos trabalhadores em relação aos mecanismos de segurança.
Oliver et al. (1992), em uma linha de investigação que pretende utilizar o clima de segurança de uma forma mais prática, concebem este como sendo: “a percepção das ações positivas empreendidas pela empresa pela segurança”. Com esta perspectiva se pretende que a utilização deste conceito vá além do diagnóstico e que sirva de fato para o processo interventivo. Nesta mesma linha de pensamento Meliá, Tomás e Oliver (1992) sugerem três fatores a serem analisados: estrutura da área de segurança da empresa; ações da empresa em matéria de segurança; e a formação e incentivos que a empresa oferece relacionados à segurança no trabalho.
Niskanen (1994) em um trabalho realizado no setor de construção de estradas analisa as diferenças existentes na percepção do clima de segurança por parte de trabalhadores e supervisores. Nesta pesquisa o clima de segurança se refere ao “conjunto de atribuições que podem ser percebidas sobre a organização do trabalho, que podem ser influenciadas pelas políticas e práticas que a empresa impõe sobre os trabalhadores e supervisores”. Destaca-se nesta pesquisa a preocupação em distinguir as percepções por parte de operadores e supervisores.
Na tabela 1 é apresentado um resumo dos principais autores e pesquisas.
Tabela 1: Resumo das principais contribuições sobre a definição do conceito de clima de segurança.
AUTOR (ANO) CONTRIBUIÇÕES RESULTADOS
Zohar (1980) Definição do clima de segurança por meio de questionários Oito dimensões:
- Importância dos programas de treinamento.
- Atitudes da alta administração.
- Efeitos da conduta segura na carreira profissional.
- Nível de risco no local de trabalho.
- Efeitos do ritmo do trabalho na segurança.
- Status dos profissionais da área de segurança.
- Efeitos da conduta segura no grupo de trabalho.
- Status do comitê de segurança.
Brown e Holmes (1986) Põem a prova o modelo de Zohar Três dimensões:
- Preocupação da alta administração com o bem-estar dos funcionários.
- Resposta da Alta Administração aos problemas de segurança.
- Risco físico dos empregados.
Dedobbeleer e Bèland (1991) Põem a prova o modelo de Brown e Holmes Duas dimensões:
- Compromisso da Alta Administração
- Compromisso dos trabalhadores
Meliá, Tomás e Oliver (1992) Desenvolvimento teórico do conceito. Três fatores teóricos:
- Estrutura de segurança na empresa
- Ações da empresa em matéria de segurança
- Formação e incentivos que oferece a empresa
Sepälä (1992) Novas dimensões acerca do conceito de clima de segurança Três dimensões:
- Responsabilidade da empresa pela segurança
- Interesse dos trabalhadores pela segurança
- Indiferença dos trabalhadores pelos mecanismos de segurança
Niskanen (1994) Relação do clima de segurança entre trabalhadores e supervisores. Dimensões que dependem de:
- Diferentes percepções entre níveis hierárquicos.
- Influência das políticas e práticas organizacionais sobre o clima de segurança.
Pesquisas sobre a relação do clima de segurança com outros aspectos organizacionais
Hofmann e Stetzer (1996) utilizam o clima de segurança como um dos elementos de análise para a compreensão dos fatores que influenciam sobre os comportamentos inseguros. Para estes autores o clima se relaciona com a percepção que os trabalhadores têm sobre as ações da Alta Administração.
Meliá (1998) contribui em suas investigações com a conclusão de que: “quanto mais positivo para a segurança é o clima da empresa mais favorável será a resposta dos superiores, dos trabalhadores a segurança, e menor serão os riscos de acidentes”.
Isla et al. (1998) propõem que o clima de segurança sofre mudanças significativas a partir de programas de formação de atitudes para a segurança. Os resultados obtidos no setor aeroportuário não permitem comprovar esta influência, o que é interpretado pelos próprios autores como: “uma possível mudança no clima de segurança, demandaria períodos de tempo mais amplos entre a fase de formação e a fase de avaliação, ou um terceiro tempo de medida de forma que se crie um período mais amplo para que se identifiquem mudanças significativas”.
Mearns, Flin, Gordon e Fleming (1998), em uma pesquisa sobre avaliação do clima de segurança, realizada em instalações petrolíferas, utilizam um instrumento que recolhe informações sobre a percepção de riscos, o ambiente físico, o trabalhador e seu posto de trabalho, as atitudes em relação à segurança, as atividades de segurança, e as investigações realizadas sobre os acidentes de trabalho. Os autores concluem que o que se vê com este processo vai além do conceito de clima e entram no conceito de cultura de segurança
Posteriormente Mearns e Flin (1999) tentam esclarecer as confusões existentes entre os conceitos de clima e cultura de segurança e questionam os resultados das investigações realizadas nesta área.
A tabela 2 apresenta um resumo dos autores e suas principais contribuições sobre a relação do clima de segurança e outros aspectos organizacionais.
Tabela 2: Autores, contribuições e resultados acerca da relação do clima de segurança
Com outros aspectos de segurança e organizacionais
AUTOR (ANO) CONTRIBUIÇÕES RESULTADOS
Hofmann e Stetzer (1996) Relação do clima de segurança com os comportamentos inseguros Importantes correlações entre o clima de segurança e os atos inseguros.
Meliá (1998) Modelo causal psicossocial dos acidentes de trabalho. Relações do clima de segurança com aspectos como o risco real, resposta dos colegas de trabalho, resposta dos superiores, etc.
Isla, Cabrera e Díaz (1998) Formação e seu impacto sobre as atitudes e o clima de segurança. Não se encontram relações estatisticamente significativas entre a formação e o clima de segurança.
Mearns, Flin, Gordon e Fleming (1998) Medida do clima de segurança Avaliação da cultura de segurança, além do clima.
Mearns e Flin (1999) Análise das diferenças entre clima e cultura de segurança. Estreita relação entre os dois conceitos.
Conclusões
Nestas duas décadas de investigação sobre clima de segurança houve um importante movimento para se delimitar da melhor maneira possível o conceito de clima de segurança visto a subjetividade que suscita um fenômeno como este. A partir de concepções genéricas e multidimensionais foi possível elaborar modelos com um número reduzido de dimensões e com um olhar voltado às práticas prevencionistas e desenvolvimento de ferramentas e planos de ações adequadas à característica de cada uma das organizações.
Um questionamento freqüente em relação a este aspecto é o da sua aplicação prática, ou seja, que tipo de benefícios uma organização pode obter com a utilização de diagnósticos baseados no clima de segurança.
Alguns aspectos podem ser citados como, por exemplo, a customização e a implantação de ações realmente necessárias para a prevenção de acidentes. É comum observar em grandes corporações que ações corporativas são levadas a todas a suas unidades sem uma distinção de necessidade ou da percepção dos principais clientes deste processo, que são os trabalhadores. Isso em geral leva a uma enorme resistência por parte das pessoas que acabam vinculando a segurança a algo imposto e fora da sua realidade.
Grandes organizações realizam fortes investimentos em sistemas de gestão, e são vários os casos em que se percebe uma evidente lacuna entre o que se esperava dos resultados deste processo para o que se tem na área, no dia-a-dia dos trabalhadores e líderes. Um processo que permite mapear a percepção dos trabalhadores deveria ser o primeiro passo de todas as organizações no intuito de entender quais as necessidades reais das pessoas e como realizar o processo implementação.
Todas as discussões geradas pelos pesquisadores a partir da construção deste conceito por Zohar (1980) podem servir como uma importante base para incrementar a segurança nas organizações. Para tanto, precisamos de maneira evidente entender o fator humano presente em cada uma das organizações de trabalho.
Olhar o fator humano sem uma lente que nos permita entender suas reais necessidades e como a cultura da organização e seu clima podem influenciar no aparecimento de algumas das principais ocorrências no meio organizacional pode ser entendido como uma das principais razões do fracasso de muitas empresas ao realizar processos preventivos, este pode ser o principal diferencial no momento de iniciar a construção de um ambiente realmente seguro e saudável para as pessoas de uma empresa.
Bibliografia
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Zohar, D.(1980). Safety climate in industrial organization: theoretical and applied implications. Journal of Aplied Psychology, 65, 96–102.